10.18234/secuencia.v0i108.1741
Artículos
O discurso dos
planejadores na Amazônia e a cultura política de realização
The Discourse of
Planners in the Amazonian and the Political Culture of Achievement
Fernando Arthur de Freitas Neves1, https://orcid.org/0000-0002-8044-313X
1Universidade Federal do Pará, Brasil, arthurlobinho18@gmail.com
Resumo:
A justificativa para obter proteção para as elites da
Amazônia na expectativa de integração ao modelo desenvolvimento brasileiro pode
ser reconhecido no Plano de Emergência da SPVEA.
Os planejadores de 1950 seguiram desacreditando as formas extrativistas,
enquanto acreditavam na capacidade de intervenção do estado nacional para
debelar os entraves. Destacando grandes problemas como educação, saúde,
transportes, produção agropecuária e financiamento apontam uma série de medidas
para modernizar as relações sociais e econômicas; no entanto, as tentativas sob
o vigor do empreendimento capitalista só encontraram sua efetivação com a
política de subsídios diretos e de renúncia fiscal da ditadura civil-militar,
nas quais as elites regionais tiveram que se contentar com a condição de sócio
minoritário, restando mobilizar a denúncia desse projeto enquanto tentava
melhorar sua posição nesta empreitada. O corpus de fonte documental para essa
investigação está fixado nos discursos das elites sobre desenvolvimento
econômico nos Relatório dos governadores do Pará e Amazonas, nas legislações e
notícias de jornais justapostas como um cinerama para justificar o
descredenciamento das formas econômicas extrativistas.
Palavras-chaves: história; desenvolvimento; planejamento; elite e território.
Abstract:
The justification for
obtaining protection for the Amazonian elites in the expectation of integration
with the Brazilian development model can be recognized in the Emergency Plan SPVEA. The planners of 1950 continued to discredit
extractive forms while believing in the national state’s ability to intervene
to overcome the barriers. Highlighting major problems such as education,
health, transportation, agricultural production and financing point to a series
of measures to modernize social and economic relations; nevertheless, attempts
under the vigor of the capitalist enterprise only found its effectiveness with
the policy of direct subsidies and fiscal renunciation of the civil-military
dictatorship, in which the regional elites had to settle for the condition of
minority partner, remaining to mobilize the denounce this project while trying
to improve its position in this endeavor. The corpus of documentary source for
this investigation is fixed in the discourses of the elites about economic
development in the Report of the governors of Pará and Amazonas, in the laws
and news of newspapers juxtaposed as a cinerama to justify the discrediting of extractive economic forms.
Keywords: history; development; planning; elite and territory.
Recibido: 30 de abril de 2019 Aceptado: 13 de octubre de
2019
Publicado: 12 de agosto de 2020
INTROITO
As proposições sobre o
desenvolvimento da Amazônia merecem um tratamento de constante revisitação para
poder compreender as dinâmicas de interpretação elaboradas na esfera regional
ou nacional, ou mesmo as contribuições feitas fora das fronteiras do Brasil,
como bem assinalam os trabalhos em torno da Pan-amazônia.1
O contributo da expressão
Formação Social deve ser mobilizado como ferramenta metodológica para aclarar
as possibilidades de explicação sobre como a estrutura de produção de bens está
articulada às relações de tessitura social em movimento para empreender a
satisfação de reprodução dos sistemas. Marx (1991) inaugurou o debate sobre as
formações econômicas pré-capitalistas. Inspirados nesse conceito, existem
muitos outros estudiosos dissecando as propriedades dessa ferramenta. Para
efeito de esclarecimento, uso aqui a maneira indicada pelo autor ao identificar
linhagens, ou se preferirem, relações de força, integrando diversas e
potenciais capacidades articuladas sobre a produção material da existência das
sociedades. Isto significa dizer que a Amazônia é compósito de uma série de
experiências diferenciadas, às vezes coeva, de produzir a si mesma. É nosso
intuito, portanto, captar como essas formas de organizar e representar a si
própria foram tecidas e interpretadas à luz dos elaboradores que se debruçaram
sobre o Plano de Emergência e o Plano Quinquenal da década de 1950.2
Kelerson Costa (2009, pp.
1-25) ao propor uma série de apontamentos sobre a formação histórica da
Amazônia brasileira indica vários modos de ocupação, com durações diferenciadas
em tempos e territórios, manifestando a existência de conhecimento sobre a
ecologia do lugar e a consolidação dessas ocupações enquanto existiram; porém
descredenciando esses arranjos devido à baixa integração com a sociedade
nacional, gerando um quadro bastante imperfeito sobre ao que costumeiramente se
tem apropriado como formação histórica. Seu alvo está nas circunscrições da
Amazônia Ocidental, porém é bem mais extenso.
O extrativismo há muito se
constitui um modo de produção fecundo na Amazônia, sem porém gozar de prestígio
pela sociedade erigida com os ideais de ilustração, graças à incomoda sujeição
imposta pela natureza como uma determinação de per se.
A economia mercantil não tinha esses melindres, compreendia bem a riqueza
representada pelos produtos engendrados nesta estrutura e deles aproveitava
todos os insumos como “Cacáu, Castanha, Couros verdes salgados, Ditos secos
salgadas espichados, Ditas de refugos ditos ditos, Gomma elástica, Grudes de
peixe, Óleo de cupahyba, Peles de veado, Piassava, salsa, urucú em massa,
Diversos” são algumas das peças descritas no Relatório de Presidente da
província de 1870 (p. 33), recorrentes dentre tantos outros documentos oficiais
para tempos anteriores e ulteriores.
Voltando um pouco mais atrás,
no século XVII abundava um conjunto de
fortificações para controlar o fluxo das chamadas drogas do sertão e ao mesmo
tempo serviam de barreiras à concorrência de ingleses, holandeses e franceses
(Reis, 1984; Tavares, 2011). Cacau, baunilha, cravo, canela, anil e raízes
aromáticas estão relacionados nas séries de correspondências grafadas no
período, sendo referidas como parte vital para assegurar o interesse dos
dominadores portugueses, naquele instante, como testemunha a historiografia.
Houve outra demanda
significativa para assegurar o domínio português na região, manifesto no
apresamento de indígenas para manutenção perene da atividade de coleta das
drogas do sertão como assinala Chambouleyron (2006). O domínio indígena da
ecologia daqueles sertões foi peça relevante para viabilizar a efetiva
ocupação, e sobre este esteio foi alicerçado a empresa das missões religiosas
carmelitas, franciscanos, mercedários e jesuítas.
Há um consenso estabelecido
quanto à existência de uma política colonial mais centralizada quando da
intervenção de Pombal, como ministro, colocando termo às iniciativas
estrangeiras até então correntes. Para assegurar o domínio nas esferas
política, militar, religiosa e econômica, o estado coesionou sua intervenção.
Sobre a estrutura montada para reger o mando no Estado do Grão-Pará e Maranhão
em 1751 tomo de empréstimo o dialogo travado sobre as rupturas e permanências
dos governo que se sucederam a partir da análise feita por Chambouleyron
(2006), citando uma respeitável bibliografia sobre força de trabalho,
escravidão, agricultura, estado, sociedade e economia.
Podemos perceber o juízo de
supremacia da agricultura sobre o extrativismo, no próprio Chamboleyron ao
sustentar a tese “Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação
da Amazônia seiscentista” enfatiza como o empreendimento particular buscou se
assentar nestas terras, domesticando produtos de coleta em artigos da lavoura
como foi o caso do cacau; contestando a afirmação de Alden sobre o estigma
extrativista inerente à amêndoa até a metade dos setecentos.
É tempo de revisitar essa
sentença e colocar em xeque a perspectiva do estabelecimento da política
pombalina como sendo a gestão por excelência da dominação portuguesa fundada na
agricultura. Não é à toa a validação da agricultura feita por Alexandre
Rodrigues Ferreira ao indicar os avanços e recuos da mesma nestes sertões,
enquanto lutavam com os indígenas resistentes à civilização e ao trabalho
agrícola (Raminelli, 1998, pp. 157-182). O complexo estruturado do extrativismo
vegetal e animal tinha um vigor econômico que se interpunha como concorrente às
medidas tidas como civilizatórias. A disciplina mobilizada em torno da
agricultura, tanto quanto a introdução do conhecimento necessário à execução
dessas tarefas, subtraia tempo e esforço das formas de produção extrativistas
desenvolvidas pelos indígenas, além de permanecerem protagonistas no domínio
sobre o trabalho.
Com efeito, a historiografia
desconsiderou na política colonial o quantum de saber havia em extensão e
profundidade na economia das drogas do sertão, jamais podendo ser resumido ao
momento da coleta. Esse equívoco perdura e esteve presente no diagnóstico feito
pelos planejadores nos 1950 quando tentaram alterar, uma vez mais, as bases da
economia da região. O Plano Quinquenal inflexionou em parte a acidez desta
crítica presente no Plano de Emergência, embora o horizonte tenha continuado sendo
a agricultura em substituição ao extrativismo. O diagnóstico recorrente é o
desprezo por esse último, percebido como mera força auxiliar da colonização,
sem ver nessa atividade uma organização própria; sem se restringir a uma mera
articulação da economia local à economia mercantil em expansão; antes,
representava uma combinação de conhecimento e produção ordenados na apropriação
e domínio da ecologia do lugar, estrutura potencializada para converter-se em
ativo de troca, portanto, riqueza da economia extrativista em escala, sendo
inserida a uma economia mundial. É tempo de fazer uma crítica a essa percepção
colonialista, pois ela se tornou não apenas depreciativa, tanto quanto denega o
protagonismo existente por aqueles que se encontraram, ainda que mediados por
tensões e cumplicidades na realização do complexo do extrativismo da formação
social na Amazônia.3
ADEUS EXTRATIVISMO
O extrativismo
gozou de pouco prestígio devido às oscilações no que respeita a quantidade da
oferta e a qualidade do produto, sempre estando aquém do que desejava a proto
cadeia do aviamento, afetado pelas condições climáticas, território (floresta
de terra firme e áreas alagadas), transporte, controle sobre a mobilização da
força de trabalho e a concorrência com produtos já firmados. As muitas
tentativas de administrar toda a cadeia das chamadas drogas do sertão podem ser
percebidas no investimento em conhecer, eleger quais desses produtos poderiam
vir a se tornar objeto de cultivo, bem como os ganhos a serem auferidos como
estas escolhas, como atesta a domesticação do cacau por centenas de anos. Esta
amêndoa vigorou com bastante aceitação, sendo inclusive utilizado como mediador
de trocas.
Extrações de quinina e de
borracha são similares para retratar o processo de incorporação de produtos da
floresta à mundialização da economia, embora esses empreendimentos não tenham
alcançado uma perspectiva de desenvolvimento autônomo, ainda assim representam
expressivas tentativas de assegurar minimamente a retenção da riqueza
conquistada com a produção feita pela cadeia do extrativismo. Os oitocentos
cristalizaram a complexidade dessa cadeia com a incorporação da Borracha à
segunda revolução industrial nos seus mais diferentes usos, até alcançar a
condição de componente fundamental na indústria de pneumáticos.
Convém assinalar o destino que
ambas tiveram ao perder a centralidade de acumulação de riqueza na Amazônia
devido aos mecanismos de usurpação, tão correntes aquela época, por meio do
sequestro de sementes e mudas, cultivadas em outros territórios para promoverem
a produção em grande escala via modelo plantation,
abandonando o lócus de produção original,
contribuindo para a debacle dessas estruturas, contudo, não significou o fim do
complexo do extrativismo compreendido desde a extração/coleta,
regatão/aviamento, financiamento internacional.
Fronteiras externas e internas
estiveram se deslocando muito intensamente na virada do XIX
e XX. Elas também foram objeto de intensa
vinculação com a extração da borracha. O caso mais representativo, sem dúvida,
foi a ocupação do território que se converteu no Acre para o Brasil à custa da
Bolívia, mas também patenteia a mobilização interna com as frentes de expansão
de extração da goma elástica (Aragão, 1989, pp. 219-227). Na Calha Norte da
América do Sul não foram diferentes os procedimentos para assegurar as
ocupações dos chamados territórios vazios, pois ao mesmo tempo serviram de
justificativa para definir os limites entre os países na Amazônia. As frentes
de expansão internas foram responsáveis pela compressão dos territórios
ocupados por indígenas, enquanto urdia um processo de desestruturação de seu
modo de vida. Esses territórios passaram a integrar a cesta de terras a serem
ocupadas pela fronteira em movimento. Se o extrativismo não foi abandonado por
essas populações, o controle já estava sob o domínio da cadeia de aviamento.
Os arranjos de integração das
atividades econômicas propiciadas pela goma elástica faz com que possamos
indicar uma matriz comum, circunscrevendo a formação social na Amazônia,
dinamizando para além dos traçados das fronteiras nacionais, fundado na
estrutura reprodutiva do complexo do extrativismo, tal como descrevemos de
maneira concisa como extração/coleta, regatão/aviamento até o financiamento
internacional.
Após a crise iniciada em 1912
com crescente perda da renda da economia da borracha, tornou-se evidente a
dificuldade de estabelecer um mecanismo eficiente de manutenção da valorização
da extração de matéria-prima. Entretanto, a alternativa sugerida continuou a
validar a agricultura como único modelo de efetiva rentabilidade, aliado à
promoção da civilização, enquanto desqualificava a vertiginosa contribuição do
extrativismo na formação social amazônica.
Esta crítica ao extrativismo
animal/vegetal continuou presente no decorrer do século XX,
sugerindo a necessidade de uma intervenção potente para domar de vez as
riquezas da floresta, utilizando a modernização do campo, pela via da
agricultura e da pecuária, sob o impulso da empresa capitalista, em detrimento
da vitalidade do extrativismo como se pode reconhecer no complexo da economia
da castanha-do-pará.4
Certa historiografia
brasileira fez uma análise sobre a paridade entre a importância da borracha e
do café existente na virada do séculos XIX e XX, porém destaca-se uma primazia na articulação
promovida pelo café com toda a rede de indústria, comércio e finanças como
assinalou Wilson Cano (1984); porém não foi menos pujante a cadeia econômica
desenvolvida pelo extrativismo/aviamento no qual estão arrolados bancos,
estrada de ferro, navegação e mesmo um setor de indústria vinculada à borracha
(Mourão, 1989).
Ainda durante os anos 1930, na
gestão do paraense Lyra Castro no Ministério da Agricultura, Industria e
Comercio percebe-se a orientação de efetuar a lavoura como uma referência no
Pará, situação documentada nos estudos para criação do Centro Agrícola Ingles
de Souza na cidade de Monte Alegre, instituto com vocação para o
desenvolvimento da agricultura. Nesta senda, o Serviço de Inspeção de Fomento
Agrícola Federal, dirigido à época pelo engenheiro Enéas Pinheiro, forneceu só
naquele ano 10 355 kg de sementes, plantas forrageiras e cereais a 127
agricultores no Pará, criadores e industriais; embora não informe sob qual
método foi concedido o benefício, suponho faziam parte do clientelismo ou de
algum cadastro nessa repartição do ministério. Havia em andamento, segundo a
Mensagem enviada pelo governador do Pará à Assembleia, inquéritos profissionais
sobre seringueira, camuru, fumo, castanha, feijão, cana-de-açúcar, coqueiro,
balata, andiroba e madeiras, além do incentivo para a fruticultura em
associação com a Sociedade de Fruticultura de Belém.5
Este esforço seguirá ao longo
dos anos para converter o extrativismo em agricultura, combinado com o
fortalecimento das ações de investimento público no auxílio à produção
agropecuária, na montagem de Estação Meteorológica, Estações de Pesquisa
Experimental, Serviço Industrial Pastoril, realizando uma gama de experimentos
e auxílios técnicos para suportar os reclamos de maior amparo ao setor
agropastoril do Pará, complementado pelo Posto de Assistência Veterinária com
raio de ação do Marajó até o Tapajós.6
Desnecessário dizer ser difícil o atendimento nessa escala.
Entre os anos 30 e 40 do
século XX não há nenhuma menção ao termo
extrativismo nos jornais de grande circulação no Pará, já o termo agricultura
sobressai com grande impacto anunciando a necessidade de carregar maiores
inversões para desenvolver a região. No estado do Amazonas foi mencionado nos
jornais apenas uma única vez o termo extrativismo nessas duas décadas,
referindo-se como esta atividade estava sendo transformada, graças a Associação
Comercial do Amazonas,7 por meio de um programa de
ações no intuito de colaborar para propagandear e melhor colocar os produtos no
sul do país e no exterior, combinando esta ação com assistência à produção
chamada de “nativa” como sinônimo de extrativismo, aliada à produção agrícola
propriamente dita.8
Uma tentativa das elites do
norte em dar resposta à perda de influência e prestígio do extrativismo, de
maneira assertiva, considerou-se dois produtos, Borracha e Castanha; o primeiro
em franca decadência, embora com os seus usos em alta na economia mundial, não
deixava de despertar interesse; enquanto o segundo, não tendo a relevância do
primeiro para os usos da química da segunda revolução industrial, comportava uma
receita respeitável, sobretudo ao fazer parte do consumo da Europa e Estados
Unidos. O estado do Amazonas pautou esse tópico na agenda do governo Vargas com
a criação do Instituto Federal da Borracha e da Castanha, demanda
representativa da região, emulava o Instituto do Cacau na Bahia, e outros como
os do açúcar e álcool, laranja e algodão, sob a supervisão do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio. Chegou a ter um anteprojeto elaborado, porém
sem maior apoio, não logrou êxito.9
Em 21 de março de 1935 o
Jornal do Brasil noticia que foram conciliados os interesses do Amazonas e do
Pará pela criação do referido Instituto. As chamadas classes interessadas, por
intermédio da Associação Comercial do Amazonas e da Comissão de Propaganda do
Comércio Exterior, junto ao Interventor do Pará, à época liderada pelo Major
Magalhães Barata, reconheceram ser uma proposta à altura do desafio de
impulsionar região. Na exposição de motivos à presidência da república, Agamenon
de Magalhães, titular do Ministério do Trabalho, alega a necessidade de amparar
a inciativa coordenada pelos próprios interessados, Amazonas, Pará e o
território do Acre, para racionalizar e aproveitar “a exploração da indústria
extrativa da goma elástica e da colheita periódica das castanhas” conectando de
modo favorável crédito, transporte e outras facilidades. A notícia sobre
borracha e castanha as insere como ramos da indústria amazônica, envolvendo
aqueles “empenhados na compra, venda, e beneficiamento” para logo a seguir
confirmar o sentido que se quis imprimir de uma atividade econômica pujante em
acordo com a expectativa principal de “arrancar a indústria extrativa da
tremenda e prolongada crise em que se debate, há longos anos, em franco caminho
do aniquilamento [...] a da castanha, possibilidade de melhores dias pela
remoção dos fatores que lhe perturbam o ritmo normal do comercio”.10
De uma vez só, extrativismo e
agricultura são tornados invisíveis, sobressaltando apenas a circulação da
mercadoria ao denominar essa atividade nos marcos exclusivos da indústria,
embora fique evidente a expressão extrativista da borracha e da castanha, conformando
o conjunto da cadeia como um complexo do extrativismo, atingindo até o
financiamento.
Outrora, 377.000:000$000 foi o
valor gerado pela exportação de borracha, enquanto o café atingia
385.483:000$000, portanto são equivalentes em importância e escala. Em 1910,
esta quantia demonstra quanta riqueza fora gerada, mas logo depois da
concorrência asiática, caiu vertiginosamente o produto do norte; uma das
questões levantadas era devido ao modelo de coleta continuar a utilizar as
“estradas de seringa” considerando a distribuição natural das árvores, enquanto
a disposição do plantio, como era nas colônias inglesas e holandesas,
assegurava maior oferta de seiva, situação a ser superada com a criação do
Instituto como menciona na argumentação. Outro fator limitante foi a acusação
de prática extorsiva existente em Belém e Manaus no processo de financiamento
feito pelas casas aviadoras; diversamente da situação ocorrida na Ásia, onde a
produção dos concorrentes já estaria fundada em bases científicas, tendo vantagem
de abundância de capitais e mão de obra barata.11
Diante da real ameaça da
concorrência da borracha da Ásia, sobremodo porque os diferentes usos que
estavam sendo dados à goma elástica assinalavam a expansão de sua utilidade
convertendo em novas fábricas, gerando aflição pela possível perda de
protagonismo nessa economia. O Congresso Nacional aprovou a lei 2543, ainda em
1912, cujo fim seria aportar um plano para a “indústria do extrativismo”
ameaçada, estabelecendo a necessidade de incentivar o cultivo das espécies em
Estações Experimentais, desenvolvimento do transporte fluvial e terrestre;
fixação definitiva de trabalhadores, dito de outra maneira, imobilização da
força de trabalho; acesso ao crédito e melhoria nas condições de vida que eram
lastimáveis nos seringais onde campeavam doenças tropicais.
Lei aprovada, porém não
implementada, segundo o articulista, copilando o Ministro Magalhaes, devido à
falta de condições financeiras e a extensão demasiada do plano, ficando apenas
indicado a necessidade de “extinguir” os serviços de aviamento. Malgrado as
dificuldades da borracha com preço em queda no mundo da década de 1930, as
qualidades da borracha nativa não deixaram de ter apelo, justificando, portanto,
a iniciativa para a constituição do já mencionado Instituto.
A necessária incorporação de
tecnologia faria bem ao produto amazônico para ganhar mais mercado, sugerindo
rever o método tradicional a ser incorporado às manufaturas, suprimindo lavagem
e secagem lenta que fazia o produto amazônico perder peso. Também aponta o
declínio efetivo com a crise que já se arrastava há muitos anos, conforme
anunciou o Ministério da Indústria, comprometendo pela via da criação do
Instituto o fornecimento e medidas para sanear técnica e financeiramente a
atividade. Com efeito, o governo federal por esta iniciativa realinhou seu
compromisso pela “Criação do aparelho resguardado da estrutura Econômica da
Amazônia.”12
Sem comprometer propriamente
os cofres da União para o sustento do Instituto, foi indicado um empréstimo de
20.000:000$ frente ao Banco do Brasil para que fossem montados todos os
serviços. Ao adquirir autossuficiência, a economia da borracha e da castanha
poderiam pagar o principal e os juros daí decorrentes. Como garantia, a melhora
do preço e as muitas necessidades que a nova indústria apresentava tornava a
oferta da mesma imprescindível, sendo importante fazer este investimento para
suprir o Instituto.
Quanta à Castanha era muito
menos volumoso o argumento para a criação do Instituto, porém o estado assimila
a defesa de ser a única região fornecedora desse produto e quer manter a boa
aceitação nos Estados Unidos e Europa. Atribui uma receita ainda diminuta à
falta de organização econômica das coletas e do comércio. Em complemento, de
maneira incisiva, relata ser grave o problema do financiamento ser monopolizado
pelas empresas importadoras, com suas sedes em Belém e Manaus, sem outro
financiamento para fazer concorrência.
Os discursos confirmam uma
predileção e um sentido para a indústria da goma elástica, no entanto fica
patente a subalternidade da categoria do extrativismo, e não há nenhuma
referência quanto à verticalização da indústria da borracha, o mesmo vale para
castanha. Por quase 20 anos não houve uma intervenção mais ousada, nem mesmo o
Banco da Borracha ou o Fundo Constitucional do Norte alavancou uma alteração de
rumo.
CONFERIR EXECUÇÃO AO PLANO
QUINQUENAL
Significava
convencer a nação de que se tratava de um esforço nacional para assegurar a
ocupação nos chamados “espaços inaproveitáveis do território”, para uma
valorização da região como um “empreendimento de vulto”. Este foi o primeiro
signo de justificação para constituir uma sociedade economicamente estável. Na
época não há ainda a preocupação com a noção de sustentabilidade no uso dos
recursos naturais. Expresso esse primeiro eixo, a riqueza gerada atenderia as
demandas sociais, pelo menos nesse discurso naturalizado de distribuição de
riqueza com a oferta de oportunidades. De modo suplementar, a economia da
Amazônia deveria se integrar ao complexo em edificação do parque industrial
brasileiro pela criação do Programa de Emergência como uma projeção ao primeiro
Plano Quinquenal.
Populações dispersas ao longo
dos rios e florestas, assentadas no extrativismo, deveriam partilhar na nova
realidade com a recepção de migrantes para poderem gerar arranjos econômicos
novos. O planejamento erigido à condição de sujeito, ditando critérios de
eficiência econômica e ocupação sobre territórios; induzindo atividades de
comunicação e transporte; circunscrevendo zonas propícias à agricultura, à
indústria e pecuária, bem como indicando a necessidade de melhor aproveitar
zonas marginais da estrada de ferro de fronteira e reconhecer a relevância de
navegação de longo curso; além de identificar as áreas da frente pioneira de
expansão a penetrar na Amazônia devido à abundância do estoque de terras,
segundo o diagnóstico sobre a condição das terras devolutas.
Se anteriormente a penetração
foi ditada pelos rios, doravante, esta não seria mais a única opção. Foi do
interior da terra firme que pulsou a nova penetração. Não por acaso a
construção da rodovia Belém/Brasília assumiu a dianteira na mobilização de
esforços materiais e espirituais para obter o sucesso desejado. As barreiras
ecológicas e topográficas perderam a capacidade de deter o avanço da fronteira.
De modo bastante agressivo, as
antigas trilhas de comunicação da economia mercantil cederam lugar à integração
por rodovia, particularmente durante a construção da malha rodoviária na virada
dos anos 50 para os anos 60. O traçado da Belém/Brasília serviu para
solidificar o contato com a principal cidade da Amazônia, no caso, Belém. Porém
era importante espraiar essa intervenção até outro centro dinâmico, de modo a
tornar mais vasto o projeto de articulação do Estado Nacional sobre o
território; fazendo com que o poder de estado fosse capaz de gerar
emprendimentos volumosos, agregados à lógica de desenvolvimento do mesmo. Essa
intervenção irá posteriormente ser sufragada na constituição da Zona Franca de
Manaus; outras capitais e cidades na região sofreram, ao menos sazonalmente,
alguma intervenção para justificar essa dinâmica de integração e crescimento
econômico, sem necessariamente ensejar um modelo de distribuição de riqueza em
escala incrementado pela entrada do grande capital.
Decerto, era preciso
reabilitar áreas que já haviam comportado diferentes modos de produção,
articulados de forma subordinada ou marginal na formação social da Amazônia,
congregando estruturas tradicionais aos empreendimentos tipicamente
capitalista, sem entretanto promover a indústria de bens de capital. Premissa
para atrair as elites políticas regionais em seus próprios interesses
subordinadas à economia nacional.
As chamadas zonas recuperáveis
descritas foram eleitas para abrigar iniciativas concernentes à dinâmica do
Plano Quinquenal (SPVEA, 1954, p. 5), indicada nos
setores, tais como produção de alimentos, produção de matéria prima e
indústria, aplicação de capital, transporte e comunicação, energia, saúde e
nível cultural. Partindo da ideia de incrementar a produção de alimentos fazia
todo sentido, porque de modo obsessivo os planejadores viam na agricultura uma
forma civilizatória de combate ao extrativismo. No entanto, nem sempre fora
assim. Ruth Burlamarqui de Moraes (1984) dissertou sobre os dramas da
agricultura para poder concorrer com o modelo extrativista empregado na
Amazônia durante o período de maior influência da borracha. Sua análise sobre
séries demográficas demonstra como as correntes migratórias para região foram
bastante afetadas pelas condições de extração do látex nos seringais.
A referência sobre os
investimentos em agricultura são mais intenções do que propriamente uma política
de fixação do homem na terra, pois o esforço maior da força de trabalho de
colonos/imigrantes acabava sendo reduzido à máxima de servir ao seringal no
início do século XX, havendo inclusive penas
severas quando os seringueiros tentavam diversificar a produção em culturas
adjacentes às estradas de seringa. Isso não significa desconhecer a existência
da agricultura, embora esta tivesse um prestígio moral elevado, economicamente
era degradada diante da contínua valorização do extrativismo (Moraes, 1984).
Dispostos a não repetir erros
passados, pensam os planejadores poder realizar uma introdução de tecnologias
de melhoramento através da organização de colônias para ampliar a oferta da
produção de alimentos, devidamente orientados pela assistência de agrônomos,
cuja meta a ser alcançada em primeiro lugar seria a autossuficiência alimentar,
seguida da produção de matéria prima para a economia regional, nacional e
internacional. Amparados em muitos preconceitos, os planejadores investem
contra a cultura local, denunciando a valorização dos hábitos alimentares
fundados no ancestral consumo da farinha de mandioca, um obstáculo, segundo
creiam, a ser depurado da tradição, pois atribuíam a baixa eficiência
nutricional dessa prática, em desacordo com a modernização alimentar do início
da década de 1940. Contra tomar leite com farinha de mandioca, como era comum
na Amazônia, tornou-se campanha dos arautos do progresso no intuito de
erradicar esses velhos costumes (Muniz, 2013). Josué de Castro, estudioso da
fome, subscreveu esta tese junto a outros planejadores.
Aumentar a importância do gado
suíno, bovino, caprino e aves, mas sem mencionar o gado bubalino, bastante
expressivo no Marajó e no Médio e Baixo amazonas consta nas prioridades do
Plano de Metas, bem como toda a estrutura sanitária inerente aos
empreendimentos dessa natureza. Convém salientar, àquela altura não se tinha
ainda instalado um palco de luta aberta pela terra como se revelou com a
escalada de violência produzida depois na década de 1970. O estoque de terras
parecia inesgotável e a noção da pecuária como vetor de desenvolvimento parecia
se impor, a exemplo do ocorrido na expansão do Centro-Oeste; mas nos Planos de
1954 e no de 1955 não há nenhuma menção à estrutura fundiária, reforma agrária,
ou ao histórico mecanismo de acesso e firmação de posse da terra; esta situação
foi alterada profundamente quando os grandes projetos se impuseram na região e
convulsionaram o quadro de ocupação na Amazônia.
De modo quase incidental
menciona a necessidade de produção de peixes. A organização desse setor na
forma moderna delimita projeto, estrutura e objetivo, algo inexistente nos
planos quanto a essa matéria. De todo modo, a pesca não estava invisível como
assinalava o jornal Liberal de 11 de junho de 1951.
Encontra-se registro, por exemplo, no Baixo Amazonas, no município de Porto de
Moz, integrando subsidiariamente às atividades agrícolas e pastoris; sempre com
a persistência da extração da borracha; entrementes, quanto à agricultura, não
restava dúvida, o produto principal continuava sendo a plantação de mandioca.
Sobre a pesca há menção ao uso do Timbó, tecnologia indígena extrativista,
fartamente utilizada em algumas regiões da Amazônia.
Os pescadores do Pará
estiveram ativos no ano de 1951 para defender seu ponto de vista frente aos
problemas do setor. Quanto às ameaças ao alimento básico da população paraense,
reivindicam ao governo do estado alguma proteção para continuarem seu ofício de
pesca. Eles representavam perto de 12 000 pescadores inscritos em colônias,
cujo meio de vida requeria atenção, em consonância ao objetivo de fornecimento
de alimento à população. Um exemplo de obstáculo para a atividade foi o
encarecimento do utensílio de pesca mais elementar, a linha de pescar, essa
sofreu uma subida vertiginosa de 30 cruzeiros para 100 cruzeiros. A pesca na
forma industrial ainda não havia estabelecido concorrência com a pesca
artesanal, por isso o problema mais grave era o fio de linha de pescar.
A produção de matéria prima é
um capítulo sempre carregado de valorização moral. De maneira sub-reptícia diz
respeito ao enunciado de uma suposta fragilidade, ou mesmo a completa ausência
de um pendor para desenvolvimento da indústria devido a carga hereditária de
indígenas; senão quando realizam a produção extrativista, por exemplo, de
borracha, de castanha e de juta associadas à cadeia de produção existente no
país. No tocante à inversão de capital, na prática manifesta a ausência de uma
acumulação suficiente na região, capaz de fazer alavancar a formação social da
Amazônia para um moderno complexo produtivo industrial. Curiosamente, o
aviamento chamado no Plano Quinquenal de “adiantamento” é reconhecido como um
sistema. Trata-se do método histórico utilizado pelo capital mercantil para
conseguir financiar a empresa econômica. Isto resulta no levantamento de
mercadorias e dinheiro no valor equivalente à produção na expectativa de poder
pagar com o resultado da coleta/safra.
Destarte, foi sinalizada a
necessidade de gerar um mecanismo de financiamento capaz atender a esses
reclamos, via expansão de crédito bancário, destinado ao homem do interior para
servir de suporte ao esforço de produção, tanto quanto a importância de
incentivar o capital privado a investir na participação de empresas rurais
criadas dentro desse perfil. Para o primeiro quinquênio foi dimensionado 200
milhões de cruzeiros oriundos do Fundo de Fomento à Produção do Banco de
Crédito da Amazônia.
Estabelecer permanentemente a
comunicação e transporte foi um veio rico desenhado na estratégia de
valorização do Plano Quinquenal; assim justificaram a criação de um sistema de
transporte regular na calha do Rio Amazonas; na verdade esse argumento acabou
por desconhecer o expediente da navegação a vapor em curso desde a década de
1850, embora tenha perdido a importância para o transporte de borracha, nunca
deixou de crescer, permanecendo ativo para circulação de mercadorias e pessoas.
Benchimol (1995) relata a forte expansão do transporte fluvial a vapor,
devidamente subvencionado desde a segunda metade do oitocentos durante o
império, mecanismo também utilizado na república. Anteriormente as embarcações
à vela levavam doze dias entre Belém e Manaus, enquanto os barcos a vapor
levavam apenas quatro dias. Segundo o balanço do Tesouro Público do Pará do ano
de 1929, a navegação gerou uma receita de 147:130$450, porém ocasionou uma
despesa de 197:237$530, demonstrando ser deficitária a operação. Ferreira-Neto
(1974) localiza na década de 1950 o momento de passagem para supremacia do
transporte rodoviário sobre o transporte ferroviário e a navegação de cabotagem
e fluvial.
De maior relevância no Plano
foi a tese de criar ligações com as outras regiões do Brasil por via terrestre.
Isto foi justificado para assegurar o deslocamento das populações das regiões
já saturadas, tanto quanto tornaria propício o estabelecimento de praças
comerciais no interior da Amazônia. Se a rodovia secundarizou a navegação, nem
por isso os rios deixaram de ser utilizados como via de comunicação ligando
esses interiores. Pelo estado nacional, uma empresa pública foi encarregada de
adquirir equipamentos a aperfeiçoar o transporte via Serviço de Navegação de
Administração de Portos do Pará (snapp),
perfazendo uma frota maior de navios, portos, flutuantes e rebocadores. Apesar
da perspectiva dos planejadores, decididamente, a opção pela navegação sofreu
forte redução com apenas 7 000 km dos 20 000 km navegáveis na Amazônia, somente
começando alterar essa trajetória muito posteriormente.
Sem qualquer demonstração para
efetivar a ligação por via terrestre, os Planos de Emergência e o Quinquenal
não mencionam o volume de capital, de mercadorias ou de pessoas a transportar;
de outro lado, o investimento em ferrovia já não vinha sendo praticado; a
navegação seguiu secundária como possibilidade de aproveitamento da rede
existente. A opção por rodovia quis validar a imposição física do domínio sob o
território, tornando a navegação um ente marginal nos sobredito planos. Por via
rodoviária o excedente de força de trabalho, liberado pelo esgotamento das
formas de apropriação nas outras regiões, seria atraído na expectativa de
acesso à terra; por exemplo, os despossuídos ou expulsos no Nordeste em busca
de novas áreas atravessando o Vale do Gurupi ao Norte; bem como daqueles
oriundos do Sudeste ao antever um território para assentar propriedade, quando
em Minas Gerais, Bahia e Goiás não mais era possível, em vista disso seriam
atendidos por uma ligação entre Belém e Anápolis. Outra rodovia de penetração
seria o caminho em paralelo ao Rio Tapajós, oferecendo uma ligação entre Cuiabá
e Santarém, além da conexão via terrestre para o Oeste, entre Cuiabá/Porto
Velho.
Para região do Baixo-Amazonas
a perspectiva era suprir a comunicação por uma estrada de rodagem entre o norte
de Óbidos a ligar os campos do Ariramba e do Urucuiana, região já familiarizada
com a criação de gado. Esta opção poderia trazer bons frutos para fomentar o
desenvolvimento local, supunham. A necessidade desta medida foi anunciada na
obra de Gastão Cruls (1938) A Amazônia que eu vi:
Óbidos-Tumucumaque destacando um trajeto de aproximadamente quatrocentos
quilômetros, enquanto no Plano Quinquenal é proposto apenas sessenta
quilômetros, deixando de responder a efetiva necessidade da obra indicada. De
Oriximiná até Cipoal seria completada a estrada de 40 quilômetros. O grosso do
investimento em estada de rodagem seria Belém/Anápolis, depois batizada como
Belém/Brasília, todavia a integração para acima do Rio Amazonas não pôde dispor
de mais recursos para ligar este território à banda ocidental. Posteriormente,
ao final da ditadura civil-militar, portanto, fora do escopo desse estudo, a
configuração do Projeto Calha Norte visou absorver esta região, devido às
pressões para proteção de terras indígenas, às críticas pelo autoritarismo do
projeto, somados aos custos, serviram para bloquear essa iniciativa.
Percebido como entrave, as
questões referentes à saúde foram indicadas no Plano Quinquenal. Embora o
receituário replique o imaginário do “inferno verde”, sempre apontando o clima
quente e úmido, com muitas chuvas, enormes reservas de águas paradas, criando
condições para proliferação de insetos e das moléstias transmissíveis, coloca
para si a tarefa de ordenar o serviço de saúde. O remédio seria a construção de
uma política sanitária, reconhecendo o problema da falta de saúde como uma
faceta de um problema econômico e de educação. Somente através de uma reforma a
alcançar o aumento de produtividade da riqueza e de distribuição de renda se
poderia responder a demanda de saúde, grafaram os planejadores.
Concentrar esforços nos
serviços básicos de saneamento e esgoto, abastecimento de água, melhoria de
condições higiênicas, especialmente nas habitações da zona rural, amparado no
serviço de assistência médica-sanitária, hospitais gerais e maternidades, rede
de postos de saúde nas localidades onde não houvesse nenhum equipamento de
saúde. O estado nacional deveria promover rotineiras campanhas contra doenças
transmissíveis tais como malária, tuberculose, esquistossomose, doença de
Chagas, filariose, brucelose, leishmaniose, tracoma e parasitose em geral;
cuidar da infância por meio da atenção especial aos lactantes, às gestante e
alimentação pré-escolar e escolar; lembra o Plano da necessária introdução do
iodo no sal de cozinha para o combate ao bócio; além de investimento em
pesquisa de modo a confrontar a incidência de doenças, aumentando o
conhecimento dos órgãos de controle para orientar a profilaxia e tratamento das
mesmas. Estas ações seriam coroadas com o monitoramento de um serviço de
estatística e educação sanitária a gerar insumos para adoção de políticas
públicas.
Sobre os entraves ao
desenvolvimento na década de 1950, Charles Wagley, antropólogo americano,
estudioso da Amazônia, também cumpriu a função de dirigente na divisão de
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Essa
parceria foi montada entre os Estados Unidos e o Brasil de modo assistir aos
aliados com apoio técnico na área de saúde, tanto quanto na área econômica para
os produtores de matérias-primas estratégicas. Nunca se deve desconsiderar a
importância dada à borracha. Nessa oportunidade, este autor reuniu materiais
para abastecer sua reflexão a respeito do homem nos trópicos, sendo publicado
Amazon Town em 1956. Na trilha dos estudos quanto ao desenvolvimento, descreve
o clima; aborda a economia de extração de látex e o peso representativo da
pesca numa comunidade amazônica; a vigência do sistema de aviamento; a relação
de sociabilidade e a estratificação social, mistura de raças, relações de
compadrio para assegurar alianças; o universo de crenças resistente à
modernização e a vitalidade da medicina popular em seus conflitos com a
medicina científica; concluindo como de costume com a ratificação da tese de
valorizar a técnica para redimir a Amazônia, sobrepondo à tradição.13 Obviamente os proponentes
do Plano estão em acordo com esse prognóstico de imprimir desenvolvimento,
salvo honrosas vicissitudes na tradição.
Os planejadores encarregados
de apresentar alternativas ao desenvolvimento autóctone, alertam para a
diferença gritante entre a educação adquirida pelas classes superiores das
grandes cidades e a precariedade da educação ofertada nos sertões da Amazônia.
Na prática, a referência à educação superior, a qual apenas as elites tinham
acesso, salvo exceções, compreendia a cultura de graduar bacharéis, sem dispor
de maior opção de formação técnica em conexão com o mundo do trabalho de 1950,
já suplantado o quadro do período conhecido como substituição das importações.
Contrastando com a formação
das elites, influenciados por uma noção utilitária, os planejadores buscaram
manter os alunos do campo, no campo, aproveitando a sua cultura de trabalho
para fortalecer este nexo com proposições educacionais, orientadas para tornar
mais eficiente a produção agrícola, alterando o perfil do baixo nível técnico
da agricultura na Amazônia. A esse diagnóstico seguia a intenção de preservar o
espírito da sociedade tradicional dos trabalhadores do campo, pois
identificavam nesses um ideal desprovido da contaminação da educação formal
assentada nos hábitos e valores urbanos. Por isso esse investimento cujo fim
era a formação profissional centrada nas demandas da sociedade rural, em
contraste com a formação citadina, vocacionada para profissões liberais e
comércio.
As classes superiores formadas
nas cidades não tinham nenhuma vocação para atender as necessidades do
interior, embora os planejadores tenham percebido a constituição de um segmento
de classes médias graças a essa educação superior, não propuseram alguma
alternativa para incorporá-las em suas metas. Logo, a proposta redentora para
aumentar o nível cultural do interior não deveria copiar o modelo educacional
da cidade, mas sim forjar um modelo voltado para educação no campo, atento às
necessidades de fixar homens e mulheres, fortalecendo a cultura rural por meio
de uma modernização conservadora.
Para compreender como as
populações do interior persistiam na região era necessário a elaboração de uma
estratégia de valorização econômica. Desconsiderar os acertos e erros poderia
tornar uma vez mais infrutífero a tarefa de “civilizar” este ambiente. Somente
profissionais moldados nesse espírito seriam capazes de reconhecer e oferecer
uma instrução especificamente dirigida a esse ambiente, trazendo maior
possibilidade de êxito.
Para os planejadores, as
falhas das ações de modernização estavam na reprodução do paradigma educacional
utilizado nas cidades. As propostas de alfabetização junto às populações do
interior fracassaram exatamente por não reconhecerem essas diferenças. Por sua
vez, não identificaram a importância da falta de continuidade e de recursos
financeiros para prover educação e saúde ao interior. Para eles, os
profissionais atualizados nessa nova pedagogia de considerar o ambiente
poderiam superar os limites anteriores por não contarem apenas com a formação
das letras e números; antes, esses profissionais teriam uma bagagem cultural,
assentada no universo do campo, capaz de nutrir os processos educativos com o
componente de ruralidade.
Seria fundamental perceber a
fragilidade das próprias classes dirigentes na região ao pretender apontar uma
alternativa de desenvolvimento. Acostumadas a defenderem seus privilégios para
asseverar suas propriedades e os mecanismos de extração de renda, pouco
informaram sobre um modelo de desenvolvimento autóctone, isso tornou-se mais
agudo no segmento educacional. Coube aos planejadores propor um novo corpo de
professores e educadores em geral. Destituídos de formalismos, estes deveriam
interligar-se aos processos culturais do ambiente amazônico no intuito de
alterar o estado da arte; dar importância à investigação sobre como a região
estava sendo percebida por aqueles que mantinham contato forçosamente pelo
deslocamento da fronteira, embrenhando-se cada vez mais na floresta.
Outro arranjo institucional
foi desenhado sobre a escola tradicional. Denominados Missão Cultural Rural e
Centro Social Rural, composto por uma pequena equipe de educadores especializados
seriam deslocados aos povoados mais afastados. Cada Missão teria médico,
agrônomo, assistente social, podendo ser ampliada, de acordo com a necessidade,
por enfermeiros, dentistas, veterinários e, especialistas em indústrias do
campo ou artesanias. A Missão deveria selecionar e preparar os educadores para
atuarem nos Centros Sociais Rurais. A cada Centro corresponderia um casal, o
homem na função de professor, já a mulher continuaria na lida com as crianças.
Na equipagem do Centro, uma pequena oficina de costura e outros instrumentos
necessários às indústrias rurais. No fim de semana, o Centro seria convertido
em clube de recreação, espaço de reuniões, em dias normais, voltava a funcionar
como escola.14
Ambicionando mudar a
mentalidade do território rural, encarregavam-se de difundir ensinamentos a
partir dessa roupagem nova, acrescentando no ensino elementar a atualização das
técnicas do trabalho agrícola. De modo adicional seria fundada uma escola de
pesca para potencializar essa atividade. Tudo isso dentro da lógica de combinar
a dinâmica do trabalho do campo com o aprendizado no Centro Social Rural.
Reconhecendo as diferenças
regionais, a Amazônia para poder integrar-se de fato ao enredo nacional de
desenvolvimento econômico e cultural, reclamava o aporte de mais uma
instituição que formasse quadros técnicos para servirem de alavanca às
invenções orquestradas no Plano Quinquenal. A constituição de uma universidade
como fonte de produção de conhecimentos novos era uma imposição para poder ter
sucesso a estratégia de valorização da região, pois as faculdades existentes
não retinham suporte para alterar a trajetória estabelecida. A formação de
profissionais liberais atendia ao interesse da elite, embora desvinculada do
horizonte de desenvolvimento postulado. Formar especialistas técnicos
vocacionados para intervir na realidade, montando arranjos produtivos no
interior era uma meta de longo prazo traçada pelos planejadores.
Na ausência de técnicos para
responderem às demandas, o Plano indicava a importância de investir em cursos
intensivos para as de profissões como tratorista, telegrafistas, mecânicos,
enfermeiros, eletricistas ou aquelas em conformidade com os projetos a serem
implantados. Contudo o Plano não é apenas instrumental, ao menos não de todo,
reconhece a importância de alargar a experiência dessas populações do interior
ao propor a criação de mais bibliotecas e museus, onde pudessem encontrar e
manusear acervos no suporte papel ou filmes documentários que tornassem mais
rápida a assimilação da informação.
As expectativas consagradas no
Plano Quinquenal são amplas, embora tenham o mérito parcial de perceber como o
desconhecimento dos vários ambientes que compõem a região foram parte dos
equívocos cometidos nas estratégias anteriores de desenvolvimento, terminam por
sucumbir ao desejo de integração ao eixo nacional. Não concebiam a
possibilidade alternativa de desenvolvimento autóctone, graças à estrutura das
mentalidades existente em secundarizar as formas de economia extrativistas
associadas à agricultura tradicional.
PLANEJADORES CAÇANDO
RESULTADOS
Se o chamado
planejamento científico se revestiu de um diagnóstico cujo fim foi extrair um
conjunto de linhas mestras sobre as quais deveria atuar o governo central do
Brasil, sobretudo ao ser alçado como o sujeito por excelência a promover o
desenvolvimento na região amazônica, os resultados foram pífios; no entanto não
se pode lhe descredenciar a iniciativa. Ao ler o Plano Quinquenal se observa a
estratégia de valorização da ciência, tendo por Altar Mor –o planejamento, como
técnica introdutória da razão, ao enfatizar maior relevância à investigação de
modo a se aproximar da realidade.
Preciso e detalhado, foi
considerado como um rito de passagem entre a sociedade tradicional, assentada
no extrativismo, para a adaptação à sociedade industrial moderna, supostamente
incorporando técnicas específicas para o ambiente do trópico úmido. Segundo os
planejadores seria necessário investimento progressivo na educação profissional,
de tal forma que ela fosse um esteio junto à construção de conhecimentos
básicos para fortalecer o ingresso de maior capital, ao qual se pretendia
dominar em nível cultural.
A excelência da inteligência
da Amazônia foi envolvida nesse projeto de construir o horizonte, como fica
assinalado pela sua composição presidida por Artur César Ferreira Reis, seguida
de Francisco Pereira da Silva, Sócrates Bonfim, Ricardo Borges, Waldir Bouhid,
Firmino Dutra, Francisco Custódio Freire, Stélio Maroja, Raul Valdez, Jaime
Vasconcelos, Armando Storni, Francisco de Paula Vicente Pinheiro, Valério
Caldas de Magalhães, Cid Rojas Américo de Carvalho.
Este documento é uma
preciosidade ao trazer a necessidade do planejamento como passo primeiro de
sucesso da intervenção estatal ativa até 1959. A efetivação do golpe de 1964
aprofundou significativamente a concepção de uniformidade na Amazônia por via
da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam),
erigida sobre o substrato da SPVEA em 1966.
Durante a ditadura civil-militar vários órgão complementares foram criados para
dar suporte a estratégia de modernização conservadora. Ao porto livre da Zona
Franca de Manaus, foi estabelecida em 1967 a Superintendência da Zona Franca de
Manaus (suframa), para implantar um polo
industrial.
Essa lógica de estatuir
organismos no formato de superintendências de desenvolvimento regionais
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste [SUDENE],
Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste [SUDECO]
e Superintendência do Desenvolvimento do Sul [SUDESUL])
assinalava uma tentativa de centralizar a gestão do desenvolvimento do governo
federal; portanto, essa medida representou a acolhida das críticas feitas pelas
elites das regiões quanto à falta de apoio para o desenvolvimento regional.
Anteriormente o chamado
abandono do território e das populações da região, cedeu lugar à ostensiva
intervenção política do estado para viabilizar a ocupação por colonos nas
terras cortadas por estradas, gerando maior exclusão das populações tradicionais
formadas por caboclos, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Desta forma, o
estado fomentou as condições para tornar mais conflituosa a região amazônica.
Loureiro e Pinto demonstram como essas ações foram legalizadas, sem considerar
o histórico de ocupação das populações que já estavam secularmente na região
(Loureiro e Pinto, 2005, pp. 77-98). EmBASAdos por instrumentos legais que
asseguraram títulos aos novos ocupantes, a face do conflito recrudesceu graças
a opção do estado em não prover medidas de assentamento, considerando os
antigos direitos de ocupação. Essa situação prosperou com a chegada de
migrantes após as construções das primeiras estradas de longo curso, como a
Belém/Brasília nos anos cinquenta.
Sem dúvida o projeto liberal
havia ficado para trás. Se o chamado Estado Novo buscou efetivar um pacto com a
nação, sob o signo da mobilização populista, o retorno à democracia
representativa compreendeu a necessidade de incorporar os territórios da
fronteira à dinâmica desenvolvimentista. Euclides da Cunha no início do século
já havia denunciado a condição de abandono em que viviam as populações da
Amazônia, chegando afirmar “O seringueiro é, obrigatoriamente,
profissionalmente, um solitário”. Contra essa forma de ocupação, o estado vai
intervir, procurando adensar a população nos territórios de modo a conferir um
aumento da atividade econômica, segundo os cânones da modernização
conservadora.
O estado brasileiro
magnificava suas conquistas com a fundação de cidades e vilas na Marcha para
Oeste, abrindo cada vez mais a fronteira, impulsionando a migração,
estabelecendo colônias de agricultores, abrindo estradas e expandindo a
produção pecuária.
Convém assinalar que os
sentidos dessa brasilidade ganhou maior relevo com essa intervenção de unir a
Amazônia ao conjunto do Brasil, depois de realizada a sobredita marcha, embora
sofrendo muitas mediações entre o poder central, representado pelas políticas
de industrialização acelerada em processo no sudeste, por um lado, e as
críticas da elite regional, particularmente concentrada em Belém e Manaus, por
não se vê contemplada nessa modernização conservadora, ratificando a noção de
colonialismo interno, por outro.
Depois do boom da borracha, as
elites da floresta observaram um definhar de sua modernização em contraposição
ao que ocorria no sudeste. Isto porque o pacto federativo entronizado na
primeira república permitia um amalgama de interesses autônomos dentro da
federação. Com este pacto colocado em cheque pela crítica à sociedade liberal e
a configuração de uma centralização política no/pelo estado brasileiro, a
região assistiu uma subordinação dessa intervenção pela composição de novos
interesses emanados a partir do poder central, externados na figura dos
interventores do Estado Novo.
Quando eclodiu a segunda
guerra mundial, a possibilidade de retomada mais efetiva de concordância entre
a elite da região amazônica e o poder central do Brasil pareceu ter renovada
chance. Anteriormente, a iniciativa em Forlândia, área de produção de borracha
da Ford & Conpany (Freitas e Neves, 2017, pp. 244-266), para constituir um
espaço frente à borracha asiática sob controle dos japoneses, inscreveu-se numa
lógica própria de concorrência dos monopólios da indústria gomífera, não
obstante a guerra tenha forçado um entrosamento destas circunstancias.
Descrita como a Batalha da
Borracha, um microuniverso do conflito mundial, também signo na mitologia da
saga nacional como parte da incorporação da região no esforço de conformação da
identidade do país, representa o compromisso de superar a relação da mesma como
mero apêndice (Guillen, 1997, pp. 95-102). Por consequência desse despertar, os
defensores de uma revitalização amazônica ganharam audiência, atestando o fim
da era de esquecimento e de marginalização. A convicção deste instante
apegava-se ao esteio de brasilidade promovido pela economia nacional, agregando
as contribuições da região à modernização nacional.
O encurtamento das distâncias
entre as regiões foi feito pelas estradas de rodagem construídas durante o
período da ditadura militar, todavia as frentes pioneiras continuavam a
infiltrar-se nas ilhargas da fronteira perseguindo o rastro de novas terras,
secundariamente, garimpos movimentavam-se; posteriormente os grandes projetos
de mineração assumem a liderança ao serem apoiados pelo estado nacional. Se, a
princípio o roteiro do desbravamento apropriava-se das trilhas históricas de
penetração, em meados do século XX depreende-se
uma dispersão de investidas para além dos traçados dos rios, tornando mais
complexa a abrangência e o reconhecimento da fronteira. O signo de seguir em
direção ao oeste sintetiza esse aprofundamento do estado que se quer nacional,
rompendo a tradição como tal até então vivenciada somente pelos marcos
fronteiriços. Internamente, significava uma conquista do território para
viabilizar política e simbolicamente a brasilidade.
Os ocupantes das novas terras
trouxeram um novo modo de perceber a floresta e o meio ambiente, calcado na
diferenciação, no estranhamento e decisivamente na acepção de conquista. Porém,
esse traço da frente camponesa em expansão demonstrava as contradições
capitalistas quando se vê expulsa de suas terras, obrigando-os a alargarem a
fronteira.
Embora a frente camponesa
também tenha uma faceta própria sobre os conflitos internos, foi contra o
grande capital (nacional ou transnacional), e o estado propriamente dito que
mobilizou uma intelligentsia composta de articulistas de jornal, profissionais
liberais, eruditos e políticos. Um consenso mínimo serviu de plataforma para
desancar críticas públicas nos jornais sobre modo como a Amazônia era tratada;
nesses testemunhos constava a progressiva contestação sobre o Norte entregue a
sua própria sorte, enquanto uma vez mais o sudeste banqueteava-se com a
prosperidade, fruto de esforços aqui construídos.
Orlando Moraes, um jornalista,
foi um dos polemistas mais contundentes, conseguindo representar a Amazônia
contra a política nacional que parecia privilegiar as ações de afirmação de
domínio político sobre o território, em vez de salvaguardar o desenvolvimento
econômico da região. Segundo este, por exemplo, a instalação de guardas e
postos militares avançados nas fronteiras, deveriam ser financiadas com os
recursos do estado nacional e não com os recursos oriundos dos 3%
constitucionais. Essa característica de uma reserva da fronteira não explorada
adquire o caráter de reserva de valor, sob a qual o estado pretende resolver o
problema do estrangulamento da fronteira do sudeste, em vias de fechamento e,
as áreas de tensão já em ebulição em cursos no nordeste; enquanto anunciava uma
forte ação racionalizadora a ser entregue ao grande capital para triunfar sobre
as tentativas tradicionais que não conseguiram tirar a região do “atraso”.
Destarte, a noção de uma terra
estrangeira na consciência nacional, como aparece em Alfredo Ladislau; a
Amazônia como inferno verde, em Alberto Rangel; o ultimo capitulo de gêneses,
de Euclides da Cunha, traduzem o estupor com que a região é afigurada. Esses
testemunhos convocados por Orlando Moraes são retratos que teriam perdidos sua
validade pelo despertar de uma força renovadora de novos empreendimentos a
serem financiados com os 3% constitucionais.
O Plano de Valorização da
Amazônia colocado a cargo da SPVEA deveria
estimular as vocações potenciais existentes para poder integrar-se aos
investimentos de infraestrutura, oportunidade de expandir as forças de economia
homogeneizada pelo capitalismo. Ao lado da SPVEA,
o Banco de Crédito suportaria a montagem dessa infraestrutura, complementando a
necessidade de dinamizar o setor produtivo da região para grande escala, desse
modo rompendo a inércia.
Este foi o instante de
exacerbação do conflito entre a região e o estado nacional, pois as formações
econômicas que concorreram com o capitalismo já consolidado não suportaram os
preços da produção de uma economia em escala, como a que ocorria no sudeste.
Além de não poder contar com os mecanismos usuais de proteção, a elite regional
denúncia como setores capitalistas já consolidados se beneficiam dos
financiamentos dos 3%. Do mesmo modo, esses arranjos constituídos alhures,
graças a sua força centrípeta drenaram a riqueza líquida da região,
ressuscitando o velho fantasma da economia da borracha, cuja batuta estava em
favor do capital transnacional dos pneumáticos. Receavam sofrer de modo
idêntico com o desmantelamento das formas tradicionais de extrativismo já
engendradas outrora.
Contudo, o estado nacional não
pode prescindir de criar uma estratégia de intervenção para região, daí, chama
para si a responsabilidade de vencer a floresta, através da alteração das
formas tradicionais de propriedade e posse existentes no seringal, no
castanhal, no guaranazal, e numa faixa de terras de ocupação de sitiantes, além
das áreas de indígenas que conseguiam sobreviver enquanto não foram irrompidas
pela fronteira, para a propriedade privada capitalista da terra, tornando
secundário a patronagem, o aviamento, o regatão e todo circuito da economia
mercantil.
O peso destas derrotas não
retraiu o espírito do jornalista, sempre pronto a acoimar o estado,
reconhecendo, entretanto, a relevância prestada por alguns de seus organismos
na região. Pretendia-se inverter o sentido do baixo desenvolvimento usando as
prerrogativas conquistadas em 1946. Na década de sessenta, a Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Banco da
Amazônia (BASA) são apresentados por Orlando
Moraes como instituições pertinentes para induzirem desenvolvimentos, a exemplo
do roteiro seguido pela região vizinha amparada na SUDENE
e Banco do Nordeste.
Por seu turno, o “Sul”, como
nomeava o crítico, estava interessado em sufocar o regime de favorecimento
alcançado pela Amazônia na arena nacional, tentando submeter metas, segundo os
interesses prioritários da “plutocracia do sul” em detrimento dos interesses da
economia regional. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, em alguma medida,
Minas Gerais, viram confirmados seus interesses, resultando no investimento de
infraestrutura, considerando o histórico protecionismo daquela região por estar
mais presentemente próxima ao núcleo de poder, situação bastante denunciada por
aqueles a experimentar a periferia.
Exatamente quando o país
consegue se debruçar sobre o modelo de desenvolvimento, a região norte,
marginal como outras regiões brasileiras, protagoniza um rearranjo que pretende
superar o isolamento através da construção da estrada rodoviária
Belém/Brasília. Mais uma vez, o inconformado Orlando Moraes assacará o vilipendio
sofrido pelos 3% do Fundo Constitucional que financiou a construção da estrada,
em vez de ser sustentado pela contribuição da região Sul. Na prática, a
abertura da Belém/Brasília tão somente serviu para abalar ainda mais a produção
regional devido à concorrência dos produtos por ali chegados, descredenciando o
produto regional, enquanto infundida um novo modelo de consumo e de produção.
Opondo-se abertamente a essa
postura “dominadora”, Orlando Moraes combateu com as armas que tinha, embora
ainda não conseguisse propor organicamente uma estratégia de integração da
Amazônia no projeto nacional. Tarefa essa que seria elaborada sob o terror do
regime de exceção, guardando seus próprios modos de validação, como foi o caso
do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará.
A academia na Amazônia embora
tivesse uma história similar a outras do Brasil, só vai se especializar na
crítica sobre desenvolvimento após não conseguir encontrar eco para incorporar
a perspectiva regional no projeto nacional. O planejamento será a ferramenta
para retificar esse estado de subsunção, pois através deste, a intelectualidade
da região procurou criticar o ordenamento cujo fim era fazer da Amazônia a
Redenção do país.
A criação de institutos de P
& D, dotados de massa crítica para elaborar essa inserção, motivou um rico
debate sobre os modos de operar o desenvolvimento. Inicialmente, consoante as
projeções da elite regional, a intelectualidade destes institutos legitimou o
desejo de progresso à custa das riquezas energéticas, minerais e florestais;
entretanto, logo percebeu os descalabros provocados com a investida do grande
capital ao alijar ainda mais as antigas elites do progresso material e
espiritual tão requerido. Perseguindo caminhos para além dessa experiência de
modernização conservadora, esses centros de estudos de desenvolvimento forjaram
uma crítica a este modelo, porém somente com o fim da ditadura civil-militar
podemos testemunhar uma vigorosa renovação teórica e prática sobre propostas de
desenvolvimento.
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1 O desflorestamento do território amazônico de
Colômbia, Peru e Brasil foram mitigados se comparado com a expansão desenfreada
da década de 1970, porém ainda permanecem uma série de conflitos na questão do
uso da terra, deficiências técnicas na gestão dos sistemas ecológicos, bem como
o problema do uso e propriedade da terra das muitas populações tradicionais em
conflito com as sociedades nacionais. Esta discussão do desenvolvimento
regional aparece, às vezes, como sendo um avesso e/ou complemento dos
respectivos estados, ou uma singularidade desse território. Convêm perceber o
imaginário sobre essa região partilhada na Pan-amazônia e os discursos
elaborados desse universo multifacetado e polissêmico. Ver Anderson (1990);
Buelvas, Jost e Flemes (2012); Eden (1994, pp. 55-66); Parodi (1982, pp.
107-114); Pizarro (2004).
2 Inicialmente, houve o Programa de Emergência, lançado
em 1954 (Superintendência da Valorização Econômica da Amazônia [SPVEA]). Posteriormente, o Plano Quinquenal (1955)
guardava as características de uma extensão formal do primeiro, prosseguindo no
objetivo de alterar percurso até então existente. Em ambos há uma sinergia que
reflete a necessidade de uma intervenção consistente para instalar reformulação
da estrutura produtiva, dissecando em diversos eixos, desde a agricultura até
indústria, passando pelos problemas do financiamento, da ausência de medidas
profiláticas no combate de doenças, e a necessidade firmar o homem na Sociedade
Rural por um projeto educacional com esse objetivo. Esta é uma ação coordenada
pelo Estado Nacional para governar a região.
3 Algumas pistas para captar essas interpretações, ver
Ferreira e Bastos (2016). Contudo, a noção do primado da região sob o estado
nacional eu não subscreva, trata-se de análise robusta sobre os impasses do
desenvolvimento Amazônia. Digno de nota é a própria explicação de um dos
idealizadores da crítica ao desenvolvimento manifesto por sua própria pena
(Reis, 1955).
4 Além de alimento, a castanha gerou novos produtos no
ramo dos cosméticos. Em recente tese de doutorado observa-se a trajetória da
castanha-do-pará apoiada no extrativismo e os processos decorrentes de suas
relações como a concentração de riqueza, tanto quanto as constantes derrubadas
da floresta que tem colocado limite a capacidade de reprodução dessa atividade
(Almeida, 2017).
5 Mensagens do governador do Pará para a Assembleia (PA), 1930, pp. 121-124.
6 Mensagens do governador do Pará para a Assembleia (PA), 1930, p. 126.
7 Hemeroteca nos jornais no Pará e Amazonas no período.
8 Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas: Mensagem
apresentada pelo presidente, 1936, p. 203.
9 Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas: Mensagem
apresentada pelo Presidente, 1936, p. 207.
10 Jornal
do Comércio, 13 de outubro de 1935, p. 1.
11 Jornal
do Comércio, 13 de outubro de 1935, p. 1.
12 Jornal
do Comércio, 13 de outubro de 1935, p. 1.
13 Nessas outras obras podemos captar uma percepção da
Amazônia por um estrangeiro que encontrou-se com esse ambiente. Wagley (1957,
1972, 1974, 1976).
14 Para aprofundar, ver Silva e Batista (2016, pp.
56-72).