10.18234/secuencia.v0i114.1845

Artículos

Fé na razão: teoria e engajamento
em António Sérgio e Celso Furtado*

Faith in Reason: Theory and Commitment in António Sérgio and Celso Furtado

Fe en la razón: teoría y compromiso
en António Sérgio y Celso Furtado

 

Laurindo Mekie Pereira1** https://orcid.org/0000-0003-1318-1798

 

1Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil mekie1@hotmail.com

 

Resumo:

O artigo investiga o problema do engajamento dos intelectuais na obra de António Sérgio e Celso Furtado, grandes nomes do pensamento luso-
brasileiro no século xx. Examinamos suas proposições acerca da definição e papel dos intelectuais, situando-as dentro da estrutura maior do pensamento político dos escritores. Ao final, apontamos as convergências e diferenças entre eles e confrontamos a teoria com as suas trajetórias.

Palavras-chave: intelectuais; engajamento; António Sérgio; Celso Furtado.

Abstract:

This article investigates the political commitment of the intellectuals in the António Sérgio’s and Celso Furtado’s books, great names of Portuguese and Brazilian social theory at the twentieth century. We study their propositions about the definition and functions of the intellectuals, considering them inside the general structure of the writers’ political ideas. Finally, we show the convergences and the differences between them and we confront their theory with their way.

Keywords: intellectuals; engagement; António Sérgio; Celso Furtado.

Resumen:

El artículo investiga el problema del compromiso intelectual en la obra de António Sérgio y Celso Furtado, grandes nombres del pensamiento luso-brasileño del siglo xx. Examinamos sus proposiciones acerca de la definición y el papel de los intelectuales, colocándolos dentro de la mayor estructura del pensamiento político de los escritores. Al final, señalamos las convergencias y diferencias entre ellos y confrontamos la teoría con sus trayectorias.

Palabras clave: intelectuales; compromiso; António Sérgio; Celso Furtado.

Recibido: 24 de marzo de 2020 Aceptado: 21 de octubre de 2021
Publicado: 24 de agosto de 2022

O objetivo deste artigo é propor uma discussão acerca do engajamento dos intelectuais a partir da obra de dois importantes representantes do pensamento luso-brasileiro no século xx, o ensaísta António Sérgio e o economista Celso Furtado.

Em virtude da ampla obra deixada por ambos, bem como da que foi e continua a ser produzida a respeito deles, o texto concentra-se na problemática proposta, apenas abordando outras questões quando necessário à compreensão do objeto recortado.

António Sérgio nasceu em 1883, em Damão, antiga Índia Portuguesa. Seguiu a tradição da família ao ingressar na Marinha, onde foi marinheiro e tenente. Licenciou-se desta função em 1910, quando suas aptidões para educador e filósofo começam a se mostrar mais claramente.

Entre 1910 e 1920, transitou por vários países, como Inglaterra, Brasil, França e Suíça. Nos anos 1920, integrou o Grupo da Biblioteca, juntamente com Raul Proença, Jaime Cortesão, Afonso Lopes Vieira, José de Figueiredo e Aquilino Ribeiro, núcleo também da revista Seara Nova, onde o autor foi figura de proa nas décadas seguintes.

Sérgio escreveu sobre temas diversos em filosofia, história, literatura, política e outros. Antes de ingressar na Seara Nova, já era reconhecido em âmbito nacional, consolidando-se como “reformador de Portugal, valendo-se para isso da sua formação filosófica e pedagógica, da sua imensa e indubitável noção de cultura, da sua escrita exigente e incisa, do seu ensaísmo performático e polemista” (Pinho, 2012, p. 9).

Foi com o grande capital simbólico acumulado que ele enfrentou a ditadura instalada em 1926, travando embates diversos que resultaram em prisões e exílios. Entre 1958, ano de sua última prisão política, e 1969, quando faleceu, ele se afastou do debate público.

Celso Furtado nasceu em Pombal, no Estado da Paraíba, em 1920. Formou-se em Direito, em 1944. Integrou a Força Expedicionária Brasileira que lutou na Itália durante a II Guerra Mundial. Ao final dos anos 1940, tornou-se Doutor em Economia pela Universidade de Paris (Sourbonne), com uma tese sobre “L’economie coloniale brésilenne”, sob a direção de Maurice Byé.

Além de participar da conflagração, Furtado quis conhecer o processo de reconstrução no pós-guerra. Viajou pela Europa onde, segundo sua análise, se gestava os rumos do futuro de toda uma geração. Mais do que assistir, o autor pretendia apreender o como se enfrenta um caos social e político (Furtado, 1997). Certamente seu fascínio pelo planejamento foi moldado por esta experiência.

Na década de 1950, o economista integrou a Comissão Econômica para América Latina e Caribe –cepal, órgão das Nações Unidas para estudar e propor o desenvolvimento do subcontinente. Foi o maior representante do pensamento desenvolvimentista no Brasil até 1964. Entre 1959 e 1964, coordenou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), órgão criado sob a sua inspiração e direção. Foi ministro extraordinário do Planejamento do Governo João Goulart (1961-1964).

Em abril de 1964, teve seus direitos políticos cassados pela Ditadura então instalada, e exilou-se do país. Em setembro de 1965, assumiu a Cátedra de Professor de Desenvolvimento Econômico na Universidade de Paris, sendo o primeiro estrangeiro a ser nomeado para uma universidade francesa. Lecionou também na American University (Washington, D. C.), Cambridge (Inglaterra) e Columbia University (Nova York).

Celso Furtado (1997) parecia pessimista com o futuro do Brasil em 1978. Via sinais de que o país “caminha para um de estado de desarticulação, ou autofagia, que poderá transformá-lo em presa fácil de políticos de propostas obscurantistas, e mesmo intervenção externa.” (t. iii, p. 300). Porém, a partir de 1979, beneficiado pela Lei da Anistia, aprovada em agosto daquele ano, voltou a se envolver diretamente na vida política brasileira. O país vivia a chamada “abertura lenta e gradual”. As esperanças de uma retomada do regime democrático mobilizavam grandes segmentos da sociedade civil e, do ponto de vista partidário, dava grande vigor ao mdb –Movimento Democrático Brasileiro–, um partido que nascera em 1966 para conferir verniz liberal ao regime que se instalara, mas que, na conjuntura de fins dos anos 1970, tornara-se importante vetor de organização das oposições ao governo autoritário (Alves, 2005; Silva, 2003). Rompendo sua resistência anterior aos partidos, Furtado se filiou a pmdb1 em 1981, manteve estreitas relações com Tancredo Neves (pmdb) e participou de sua campanha presidencial em 1984. Foi Ministro da Cultura no Governo José Sarney (1985-1990).

“O maior dos economistas brasileiros, e o mais reconhecido internacionalmente”, cuja “grande paixão sempre foi o Brasil” (Pereira, 2005, p. 1), faleceu no dia 20 de novembro de 2004.

Os dois autores ocupam lugar de destaque no debate público dos seus países. Furtado (1983, p. 36) tinha Sérgio como uma das suas referências. Ambos evitavam a vinculação partidária e se diziam acima dos interesses e projetos de grupos específicos. O engajamento dos dois nas lutas do seu tempo indica relações complexas entre suas proposições de ordem teórica e os caminhos efetivamente trilhados.

O “ESTADISTA”: ANTÓNIO SÉRGIO

Em palestra para cooperativistas em 1948, Sérgio se definiu como um estadista. Certamente surpreendeu seu público, por isso esclareceu de imediato: “por ‘estadista’ designo eu apenas o indivíduo que cogita nos negócios públicos, que tem certos conceitos sobre a actuação do Estado e que faz propaganda de tais conceitos, limitando-se a influir pela pregação de ideias” (Sérgio, 1948, p. 29).2

A citação sintetiza aspectos fundamentais do pensamento do autor: a) a participação na arena pública, b) a visão sobre o Estado, c) o caráter “propagandístico” de seus escritos e d) seu campo de atuação preferencial –pregação de ideias.

O engajamento atravessa toda a sua obra de forma deliberada. Ele se definia como democrata, humanista, racionalista, idealista e universalista. Seu projeto social era socialista-cooperativista. A reforma consistia na transformação da sociedade pela via cooperativa. As cooperativas seriam a célula inicial de uma nova estrutura governada pelos trabalhadores-consumidores-cooperados, organizados em federações de cooperativas de consumo, produção e financiamento. O cooperativismo desgastaria o “sistema de compra e venda”, corroendo-o por dentro, mostrando-se melhor, convertendo as pessoas para a nova sociedade pela sua capacidade de atração. Não haveria confronto, mas persuasão (Sérgio, 1934, pp. 12-13; Serrão, 1984, pp. 196-197).3

A elite, os intelectuais, a escol aparecem com grande frequência nos seus textos e praticamente de forma intercambiável. Assim utilizaremos os termos aqui. Sérgio se colocava como parte da elite, agente de sua instrução e renovação.

Para ele, a elite é “a minoria dos melhores que estrutura uma nação, que a orienta e que a torna orgânica, que a inspira com o objetivo de se tornar dispensável, de preparar o povo para se governar por si próprio” (Serrão, 1984, p. 172).

É preciso desdobrar o conceito, discernindo o que é “objetivo” do que é normativo. Para o autor, elite é quem orienta, lidera, governa. Há “homens de elite de cada classe”, e também em escala territorial, logo há, por exemplo, uma elite operária e uma provincial (Sérgio, 1971, p. 233; 1972b, pp. 155-157, 161-162). Até neste ponto, os integrantes dessa elite seriam definíveis nos termos do intelectual gramsciano, o agente organizador da classe social, aquele que opera na esfera política, relativamente separado das atividades diretamente produtivas (Gramsci, 2004).

Do ponto de vista normativo, as elites seriam também aqueles que apresentam certo perfil, a saber, que não se confundem com o Estado ou o governo, não abraçam explicações mitológicas e fatalistas da história, trabalham pela emancipação do povo, colocam o “bem comum” acima dos seus interesses pessoais, são críticos, abertos ao debate e à experimentação, numa palavra, racionalistas. Aqueles que não se identificam com esse ideal sergiano seriam “falsos intelectuais”, “falsa elite” (Sérgio, 1971, pp. 249-250; 1972a, p. 16; 1972b, pp. 148-150; 1972c, pp. 183, 213). Essa elite ideal, reconhece o autor, não existia. O problema de Portugal seria era exatamente essa carência. Seu trabalho seria para supri-la, alegava o autor.

Na parte normativa, emerge a imagem do pensador letrado, munido dos instrumentos da razão. Neste ponto, está-se mais próximo do intelectual pensado por Bourdieu, alguém que opera no campo científico, relativamente protegido das injunções da política e ao abrigo da violência simbólica que domina os menos escolarizados (Bourdieu, 2004, 2007; Burawoy, 2010). Obviamente, é grande a diferença entre o pensador francês e o português, especialmente no que concerne ao otimismo do segundo quanto à formação de uma elite virtuosa.

Mas Sérgio não se limita a sonhar. Ele propõe estratégias concretas para que a elite cumpra seu papel. Em 1918, afirmava a interdependência entre elites, opinião pública, competência e democracia. Não haveria democracia sem opinião pública e esta se faz pela ação dos intelectuais. Portugal não seria democrático por causa da omissão ou fragilidade dos seus intelectuais, à exceção do “grupo da Biblioteca Nacional”, exemplo de homens de escol (Sérgio, 1971, pp. 232-235).

Nessa conjuntura –década de 1910– artistas e intelectuais de Portugal procuravam se organizar e intervir na cena pública. Exemplo disso foi a Renascença Portuguesa (rp), associação e movimento que visava a ação cívica e cultural. Criada em 1912, a rp abrigou nomes como Jaime Cortesão, Raul Proença e o próprio Antônio Sérgio, pensadores que se reuniriam novamente nos anos 1920 na revista Seara Nova (Gomes, 2015).

Quando relaciona a democracia à opinião pública e ao papel dos técnicos e das elites, Sérgio está compartilhando os valores da rp, cujo objetivo era “criar uma elite e uma opinião pública esclarecidas” (Príncipe, 2012, p. 21).

A competência é tratada em termos de especialização técnica. Os técnicos são indispensáveis à democracia na sociedade da época (1918), mas apenas para executar a orientação que receber dos intelectuais. Técnico não é necessariamente elite e dificilmente o seria porque normalmente não consegue pensar além das questões profissionais. A esta altura do raciocínio, o autor avança a ideia do representante da “generalidade”, alguém que se coloca entre as pessoas em geral e os técnicos executantes. Didaticamente, Sérgio apresenta dois exemplos. O primeiro é do mundo empresarial, em que as ferrovias são chefiadas por técnicos, mas a direção maior é formada por banqueiros, comerciantes e industriais, “homens, pois, de experiência geral administrativa, representantes na empresa do mundo dos negócios (representantes de uma parte do público)”. O segundo exemplo é dos Conservatórios de Música, em que a direção é constituída, também, por pessoas do público amador, “gente entendida do assunto, culta e inteligentemente apreciadora, mas não especialistas ou profissionais” (Sérgio, 1971, p. 233).

Em síntese: “Esses homens de direção geral, que devem ser uma verdadeira elite, estabelecem o contacto entre a opinião e o diretor especialista; representam o senso das proporções, a larga humanidade, as necessidades gerais, a razão, em suma, coisas em que o especialista(enfronhado na sua técnica, na sua escola, no seu temperamento) não tem tempo, nem feitio, nem desejo de se engolfar” (Sérgio, 1971, p. 233. Grifos do autor).

Como transpor essas experiências para a política? Estaria Sérgio propondo uma nova instância de poder? Como constituir esse corpo de representantes da generalidade? Normativo, o autor está propondo o perfil ideal do representante da população. O que ele tem em mente, nesse trecho, é listar as características do candidato que deveria ser sufragado nas urnas.

Sérgio teve curta experiência como agente direto na política, quando foi Ministro da Instrução de Portugal, entre 18 de dezembro de 1923 e 23 de fevereiro de 1924. Foi uma exceção. Em regra, sua ação sempre foi pedagógica, como um propagador de ideias e princípios, atitude que converge com o pensamento dos sociólogos franceses Léon Poinsard (1857-1917) e Paul de Rousiers (1857-1934) sobre a influência indireta das elites nos processos públicos, atuando, por exemplo, em associações e órgãos de imprensa (Príncipe, 2012, pp. 45-46).

João Príncipe (2012) sintetiza os principais aspectos dos diversos pensadores que influenciaram Sérgio até o início dos anos 1920: uma filosofia voluntarista, valorização do papel interveniente do intelectual em favor de uma “sociedade tendencialmente socialista”, aposta na “reforma das mentalidades, atribuindo todo o realce às transformações do sistema educativo”, para preparar as “crianças para a autonomia e que desenvolvam a vontade, o intelecto e as virtudes cívicas” (p. 79). Ainda segundo o autor, nenhum dos nomes que influenciou Sérgio era marxista, bem como nenhum era adepto da “supremacia do coletivo sobre o indivíduo” (p. 79).

Foi com essa formação que o pensador português aportou em Paris para um longo exílio (1926 a 1933), empurrado pelo golpe de Estado de 1926 em Lisboa. Ele conhecia bem os debates que atravessavam o campo cultural francês, marcado pelo intenso engajamento dos intelectuais, agitado por questões como a religiosa (laicismo X Igreja) e anti-semitismo (caso Dreyfus) (Príncipe, 2012, p. 86).

Em escritos de 1927 e 1929, Sérgio avança mais alguns pontos em sua “teoria política”. A fé nas elites permanece. Ele recusa a ideia de entregar ao “povo em massa” os “negócios do Estado”. Na verdade, “queremos que governem os homens de escol, os mais generosos, as almas magnânimas”. E acrescenta: “[Queremos] que possa o povo fiscalizar de perto, por seus legítimos representantes, o procedimento de quem governa; quando não são fiscalizados, os mais bem intencionados dos mandantes acabam sempre por abusar” (Sérgio, 1972b, pp. 153-154).

Já vimos que o povo fiscaliza os profissionais através dos representantes da “generalidade”, escolhidos pela via eleitoral. A essa vigilância dos técnicos exercida pelos sufragados nas urnas, soma-se agora a fiscalização destes eleitos. Parece um nível mais elevado de fiscalização, uma espécie de fiscal dos fiscais. Quem faria isso? Outra fração das elites, aqueles que não pertencem a partido nem pretendem governar (Sérgio, 1972b, p. 160). Seriam pessoas acima dos interesses particulares, imbuídas do “Bem comum”. Alguém como Sérgio e seus companheiros de Seara Nova, infere-se.

Os homens de elite desempenhariam papeis diversos. Mas parece haver uma hierarquia intra-elites, em que o topo seria ocupado por estes intelectuais maiores, especialmente racionais, humanistas, universalistas, despidos de interesses pessoais. Sérgio se via nesse patamar.

A visão de Sérgio é, nesse ponto, próxima ao pensamento de Julien Benda, cujo texto sobre “a traição dos intelectuais” despertou grande interesse e controvérsia na França (Winock, 2000), exatamente quando o português ali passava seu exílio.

Para Benda (1951), por dois milênios e mais especialmente após a decadência do Império Romano, diferentemente dos reis, ministros, burgueses e multidão em geral, um grupo seleto de homens, os clercs, se dedica a atividades não temporais, sem fins práticos imediatos. São filósofos, literatos, artistas, sábios, cujo compromisso é com valores e princípios supratemporais, que transcendem paixões, interesses e projetos específicos, terrenais (p. 44). Eles são “sacerdotes da justiça abstrata e não se mancham de paixão alguma por objetivo terrestre” (p. 51) Seu culto é à justiça e à verdade (p. 57). São eles que colocam freio às paixões que afetam os demais.

Porém, uma grande mudança teria se dado desde fins do século xix: os intelectuais traíram seus compromissos com o justo, o belo, o verdadeiro, o universal, rendendo-se se às paixões políticas, contribuindo decisivamente para reforçá-las e delas tirando proveito, especialmente a paixão nacionalista, mais avassaladora do que as outras também apontadas pelo autor, a de raça e a de classe (Benda, 1951).

Julien Benda se coloca como um defensor dos “direitos da razão”, do “pensamento puro” “ante a força do sentimento, a tirania da sensibilidade” (Winock, 2000, p. 251). Para João Príncipe, a publicação de Benda visa diretamente os intelectuais da Action Française4movimento de extrema direita com irradiação para além do território francês– (Príncipe, 2012, p. 87), mas não é mera obra circunstancial. Na verdade, ela se tornaria referência crucial no debate sobre intelectuais e a arena política (Príncipe, 2012, p. 87; Winock, 2000, p. 249).

Antonio Sérgio se serviu da leitura de Benda em texto de 1928, quando, dirigindo-se aos estudantes da Universidade de Coimbra, referiu-se à traição dos intelectuais como um dos obstáculos para o avanço da sociedade do seu tempo. Por sinal, dialogando com o inglês Clive Bell, Sérgio (1972a) fala de três “clarões de verdadeira cultura” na história europeia, obra das “elites prestigiosas”: “o do escol ateniense”, o do “escol italiano do Renascimento” e do “escol francês” do século xviii (p. 40). Comparada com essas experiências, a sociedade de Sérgio estaria em um “ramo inferior da curva, em crise gravíssima da cultura autêntica” (p. 41).

As leituras de Sérgio e Benda quanto ao engajamento dos intelectuais são convergentes. É verdade que Sérgio se envolveu diretamente na política em algumas circunstâncias –foi ministro de Estado em 1923-1924, participou das campanhas eleitorais de fins dos anos 1940 e em 1958 (Barros, 1983, p. 397; Reis, 2019, p. 228)– assim como o próprio Benda não esteve sempre distante das causas “terrenais”, como apontam Winock (2000) e Bobbio (1997).

Benda não condenou toda forma de engajamento. Ele exaltou Erasmo, Voltaire, Kant, Zola, sábios que não se subordinaram aos interesses e paixões políticas imediatas, mas que se engajaram em defesa da humanidade, da justiça (Winock, 2000, p. 250).

Porém, ambos insistiram no distanciamento dos clercs das questões menores e na fidelidade deles à causa superior da razão universal. No mesmo texto de 1929, Sérgio (1972a) diz que o homem culto opera (ou deve sempre fazê-lo) a partir da urbanidade e objetividade. Ele é cosmopolita e patriota porque o “patriota culto busca a glória da pátria nos serviços desta à comunidade humana, e o cosmopolitismo, para ele, não é a mania de uniformidade; pelo contrário, é o respeito e apreço da diversidade dos outros, adentro da cultura da humanidade em geral” (p. 38). Ecoando Benda, Sérgio complementa: “sermos cultos [...] é sermos capazes de libertar o espírito de toda espécie de limitações (limitações provindas dos nossos gostos, das nossas paixões do nosso gênio; limitações ditadas pela nossa classe, pela nossa profissão, pelo nosso partido, pela nossa pátria)” (pp. 38-39).

Por tudo isso, o compromisso do intelectual, o “homem culto”, é com a razão e a liberdade. Para ele, “sacrificar a liberdade à exterioridade da ordem é sacrificar um fim ao que é só um meio, invertendo a hierarquia racional das cousas”. Afinal, a “acção política é um simples instrumento para promover a Cultura” (Sérgio, 1972a, p. 39).

Nestes termos, caberia a ele, homem culto que é, superior aos caprichos da política comezinha, apontar caminhos, inspirar os homens que nela se envolvem diretamente a executarem medidas inspiradas em valores maiores. Pensando especificamente em Portugal, o autor propõe medidas para a reforma política: um Legislativo unicameral, o Referendum e um Conselho Técnico Nacional, órgão auxiliar da Câmara, sem poder de decisão, mas com o “direito de iniciativa”, a ser integrado por “técnicos, os competentes, as corporações” (Sérgio, 1972a, pp. 147, 155).

O item mais controvertido é o Conselho Técnico. Observa Leal que a ênfase no governo dos técnicos é algo que atravessava o espectro ideológico português na década de 1920, sendo compartilhado por grupos de direita, como a Cruzada Nacional D. Nuno Alves Pereira, e de esquerda, como a Seara Nova a que pertenceu Sérgio (Leal, 2015, p. 135). Para Bonifácio (1989, p. 133), a proposta evidencia a primazia da competência do escol sobre a “massa rude” e legisladores incompetentes, revelando o despotismo esclarecido “remoçado” de Sérgio.5

Diferentemente de Bonifácio, vemos os especialistas ora como executantes da vontade dos eleitos, ora como seus consultores. No primeiro caso, o do técnico puro, o autor indicava a necessidade de que ele executasse conforme decidissem os representantes da generalidade (eleitos). Agora, Sérgio recomenda que os eleitos ouçam um conselho de técnicos. Parecem medidas complementares: o “representante da generalidade” é o perfil ideal do eleito. Ele deve nomear técnicos para executar. E mesmo para tomar as decisões (antes de mandar fazer) deve ouvir outros técnicos. É um circuito complexo que, parece, visa contrabalançar a opinião científica com a vontade social.

Mas tudo isso é transitório. Uma das marcas da elite de Sérgio é que ela irá trabalhar para se tornar desnecessária, para que o povo governe a si próprio. Este é o objetivo de uma elite autêntica: ajudar o povo a se libertar.

Em síntese, o intelectual sergiano é engajado, mas imparcial, isento, acima dos partidos e classes. Como isso seria possível? Não pela ciência, mas pela razão. O meramente científico é incapaz de compreender todas as dimensões da vida. Daí o autor criticar o iluminismo do século xviii e o cientificismo do século xix, manifestações hiperracionalistas, pode-se dizer, a partir da categorização de Rouanet (1996). Diferentemente do científico, o racional incorpora a dimensão moral; além do que é (perspectiva científica pura), ele incorpora o que deve ser (Sérgio, 1948, pp. 15-16).

E o que ou quem define o que deve ser?

O “APÓSTOLO RACIONALISTA”: CELSO FURTADO

Corria o ano de 1959. O Brasil vivia os anos Juscelino Kubistchek. O crescimento econômico do Centro-Sul contrastava com a situação de penúria de grande parte da população da Nordeste. Sob a inspiração de Celso Furtado, JK lança a Operação Nordeste, um projeto de desenvolvimento da região, tendo como órgão executor a Sudene. Enquanto o projeto tramitava no Legislativo, Furtado peregrinava país afora para ganhar a opinião pública para o empreendimento.

Furtado (1997) tinha plateia por onde passava. Assistindo às suas palestras, um observador estrangeiro sintetizou o que se passava: o economista era “um apóstolo que convencia os mais incrédulos, usando com elegância argumentos racionais” (t. ii, p. 90).

Os anos 50 e 60 do século xx foram um tempo de “entusiasmo intelectual”, diz Raul Prebisch. De fato, a palavra apóstolo define bem o comportamento de Furtado à época: ele parecia cultivar a fé de que a história estava se fazendo naquela conjuntura e que ele contribuía de forma decisiva para mudar os rumos do país, libertando-o do subdesenvolvimento (Furtado, 1997, t. i, pp. 222, 227, 232; Prebisch, 1981, p. 7).

Celso Furtado não escreveu com frequência sobre os intelectuais, embora lhes atribuísse grande importância. As passagens de que nos servimos são reflexões do autor acerca de si próprio, deixando entrever sua perspectiva do tema.

Os escritos autobiográficos são a forma mais clara que um autor usa para transmitir a sua “mensagem”, afirma Furtado (1997) na abertura da sua trilogia autobiográfica. Longe de ser uma narrativa de particularidades, trata-se de “memórias intelectuais”, em que “o narrador interfere o mínimo possível a fim de que a realidade que relata apareça em todos os seus contornos” (t. i, pp. 15-16). Esta presunção de fazer a realidade emergir limpa aos olhos do leitor é uma indicação do que pensava o autor acerca da sua obra, sua trajetória e suas propostas para o país. Pela classificação de Paul Ricoeur (2007), estamos diante de uma “recordação laboriosa” (pp. 46-47), cuidadosamente elaborada com vistas a construir uma representação adequada de si, obviamente condicionada pelas circunstancias da escrita. Nessa operação autobiográfica, Furtado edita sua história, para usar os termos de Paul John Eakin, traçando o perfil que julga mais adequado para si e sua imagem pública (Eakin, 2019, pp. 42, 44). Como diz Carlos Mallorquín (2014), um dos maiores conhecedores da obra do economista brasileiro, o autor parece querer “prestar contas, corrigir e se redimir ante a história, especialmente em torno da Sudene” (p. 302).

O engajamento sempre lhe foi algo necessário, mas ele o fez ou o avaliava de forma específica. Quando estava na Europa, no pós-guerra, intentou ir à União Soviética para conhecer as suas experiências de planejamento. Para transpor as barreias que então se interpunham, um amigo lhe sugeriu filiar-se ao Partido Comunista. “Ri-me da receita. [...] não podia admitir submeter-me à tutela de um Partido que se escreve com letra maiúscula, pois eu colocava a minha liberdade de pensar acima de tudo” (Furtado, 1997, t. i, p. 101).

Furtado se definia como racionalista, reformista, humanista e democrata. Sua faceta mais conhecida talvez tenha sido a de desenvolvimentista, herança da Comissão Econômica para a América Latina –cepal–, que ajudou a cristalizar no subcontinente a tese de que o desenvolvimento se daria assentado no tripé planejamento, intervenção/investimento estatal e industrialização (Bielschowsky, 1996). Para parte dos seus críticos, ele foi um intelectual burguês, apesar de a burguesia não ter feito exatamente o que ele dizia (Oliveira, 2003; Santos, 1998).

Furtado revela uma série de escolas e pensadores que pesaram na sua formação. No positivismo ele apreciava o primado da razão e a estreita ligação entre conhecimento e progresso, no que era muito distinto de Sérgio, que era crítico do positivismo; do marxismo absorvia o caráter histórico das formações sociais. A combinação dessa ideia com a visão positivista de que o conhecimento era uma “arma do progresso” foi decisiva porque “compôs no meu espírito uma certa visão do homem em face da história”, permitindo “superar o círculo fechado do fatalismo e do absurdo, e ao mesmo tempo desembocava sobre uma responsabilidade moral” (Furtado, 1983, p. 33).

Outra base era Karl Mannheim, especialmente quanto ao papel do intelectual e as virtudes do planejamento, captado como uma “técnica social” que permitia dotar de racionalidade as decisões que “comandam os processos sociais”. Ler Mannheim foi um passo decisivo: “Fixou-se, assim, sobre o meu espírito a ideia de que o homem pode atuar racionalmente sobre a história”. Escrevendo em 1972, Furtado (1983) admite a dúvida se não se tratava de uma arrogância pensar que poderia “dar um sentido à história”, mas emenda imediatamente: naquela conjuntura de ascensão de regimes ditatoriais, de “degradação da história”, tratava-se, antes, de “um desejo de salvação” (p. 33).

Saber que pode agir sobre a história implica, para quem alcança esse patamar, reconhecer que deve fazê-lo. E aí se coloca imediatamente o problema do como fazer.

Diversos outros autores influenciaram Furtado, conduzindo-o para outras áreas do conhecimento. Entre eles, António Sérgio, que contribuiu para sua compreensão da história de Portugal e a “ver a importância dos estudos de Economia para melhor compreender a história” (Furtado, 2000, p. 35; 1983, p. 36).

Observando a forma como o brasileiro estudava a história, dirigido por um projeto de conhecer o país do seu tempo e produzir guias para a reflexão e ação dos seus leitores, é razoável pensar que a influência de Sérgio se estende também à sua “metodologia da história”. Ao se referir ao seu mais importante livro –Formação Econômica do Brasil–, Furtado (1997) diz que pintou um “vasto afresco, onde cada segmento estruturado teria o valor de uma sugestão, de um convite para que o leitor continuasse pensando com sua própria cabeça. [...] O livro seria uma coleção de hipóteses com demonstrações apenas iniciadas ou sugeridas” (t. i, p. 332).

Os dois autores operam com uma abordagem macro, dentro da qual afirmam fazer sentido os fatos específicos. Sérgio dizia visitar o passado com vistas a emancipar o país do obscurantismo. Alegava não trazer fatos novos, mas propor um fio condutor que seleciona, liga e ordena os fatos em um sistema, tal como o fio invisível que reúne as pérolas e faz delas um colar. Trata-se uma de uma história interessada, como diz Bonifácio (1989) “a história é para Sérgio (1978, p. 5) um guia para ação política. Ela configura um campo de observação privilegiado onde podemos colher ensinamentos necessários à elucidação da análise do presente e do traçado do futuro”.

A importância da economia e sociologia nos Ensaios com temática histórica em Sérgio e praticamente em toda a obra de Furtado, aproxima os dois autores e os conectam a um movimento maior da historiografia então hegemônica, por obra do marxismo e do movimento dos Annales (Dosse, 2003; Hobsbawm, 1998;). No dizer de Furtado (1997, t. iii, p. 11), os Annales buscavam ajuda nas Ciências Sociais e ele, partindo destas, a buscava na História.

Outra referência para Furtado foi o keynesianismo, especialmente no que concerne às relações entre economia e Estado, desaguando na tese de que as relações capitalistas carecem de centros de decisão e alguma dose de ordenamento.

Apropriadas seletivamente, essas influências convergem para formar um intelectual à Mannheim: “Seguindo Mannheim, eu tinha uma certa ideia do papel da intelligentsia [...]. Sentia-me acima dos condicionantes criados por minha inserção social e estava convencido de que o desafio consistia em instilar um propósito social no uso dessa liberdade” (Furtado, 1997, t. iii, p. 101).

Dada a importância desse autor para compreender Furtado, vale a pena uma rápida incursão pelo seu pensamento. Para Mannheim (1893-1947), os intelectuais eram a única camada social em condições de produzir sínteses isentas. Formada por elementos de todas as classes, esse grupo seria autônomo em relação às clivagens sócio-econômicas e seus interesses. Não se trata de um grupo suspenso em um vácuo, adverte o autor. Sua autonomia deriva da natureza especial da sua composição, diferente dos segmentos como o operário e o empresarial. Mannheim (1968) não ignora as diferenças no interior da intelligentsia, mas advoga que ela possui um “vínculo sociológico de unificação”, cuja base maior é a educação: “A participação em uma herança cultural comum tende progressivamente a suprimir as diferenças de nascimento, status, profissão e riqueza, e a unir os indivíduos instruídos com base na educação recebida” (pp. 180-181).

Mannheim (1968, p. 180) foi claro ao assinalar que todo pensamento político é socialmente vinculado, logo, parcial. Apenas a intelligentsia, precisamente por não se reduzir às classes, seria capaz de produzir sínteses, superando as visões segmentadas.

O planejamento democrático seria um poderoso mecanismo ativado pelos intelectuais para cumprirem seu papel. Conforme Thiago Mazucato (2020), o pensamento de Mannheim começa na filosofia, passa pela sociologia e culmina na política, seara em que ele se coloca como enérgico opositor das soluções autoritárias muito em voga na Europa nos anos 1930.

É o conhecimento científico o elemento mais importante para se definir o intelectual, para o húngaro e para o brasileiro. Com a experiência de quem viu de perto as graves desigualdades sociais –sertão da Paraíba–, em que estudar era privilégio de poucos, Furtado vê-se como alguém que enxerga além da maioria, capaz de discernir o que é mito do que é verdade, habilitado, portanto, a mostrar às demais pessoas os caminhos para se livrarem do círculo vicioso do atraso. O conhecimento leva os intelectuais à responsabilidade de agir. Não fazê-lo seria omitir-se, tornar-se inútil.

Furtado olhava para os partidos e lideranças políticas com desconfiança, postura que alega ter herdado do seu pai, que se mantinha distante dos líderes de então para conservar sua independência de magistrado. Para o autor, a ignorância de muitos, os interesses pessoais e as intenções manipuladoras de outros se conjugavam para fazer do movimento e debate social e político uma zona de irracionalidade. É precisamente neste momento que o intelectual deve assumir sua responsabilidade, porque “é o único elemento dentro de uma sociedade que não somente pode, mas deve sobrepor-se aos condicionamentos sociais mais imediatos do comportamento individual” (Furtado, 1964, p. 9).

O exercício dessa responsabilidade poderia tomar várias formas: escrever e publicar sobre os temas candentes, assessorar/influenciar grandes lideranças e ocupar cargos públicos. A primeira forma era a mais simples e o autor a fez em abundância ao longo da sua vida. A segunda era rara e a última a mais desafiadora.

Sua participação no pmdb, no contexto da redemocratização, é “esquecida” em suas memórias que, por sinal, se concentram nos anos 1950 e 1960 quando, de fato, ele esteve fora dos partidos. Apesar dessa distância das agremiações partidárias, ele teve acesso direto a lideranças importantes e pôde aconselhar diretamente a três presidentes: JK (1956-1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Naturalmente, a grande maioria dos intelectuais não tem a mesma oportunidade. Nos três casos, o economista conheceu o político quando este já exercia o cargo. Não existiam relações anteriores. Era o seu capital simbólico (científico) e os cargos estratégicos que ocupou que o levou até aos presidentes. É possível que Furtado tenha atentado para essa forma de atuação pela experiência na cepal com Prebisch. Este lhe dizia que poderia ter influenciado a história da Argentina se o Presidente Juan Domingo Perón (1946-1955) o tivesse ouvido.

Por que os presidentes ouviam ou deveriam ouvir suas opiniões? Quais suas credenciais? Coerente com a visão retrospectiva que propõe de si, desenhando sua autobiografia (Eakin, 2019) a resposta é porque ele não pertencia a partido algum, não pretendia extrair qualquer vantagem pessoal e tinha argumentos racionais (Furtado, 1997, t. i, pp. 77-80, 118-120, 123, 229; t. ii, pp. 163-165).

Então chegamos ao ponto mais embaraçoso. Como um intelectual pode manter-se fiel aos seus compromissos com a verdade racional, ocupando cargos políticos como o fez Furtado? Ele não hesita: pelo uso do planejamento, uma técnica neutra, destinada a racionalizar processos e ações coletivas (Furtado, 1997, t. i, p. 244, 280; t. ii, p. 89), pela separação criteriosa entre o que é técnico –o desenvolvimento do Nordeste nos termos da Sudene, por exemplo– do que é político –fazer obras eleitoreiras, por exemplo– e pela fidelidade a “política de desenvolvimento”, ao “país”, ao “nordeste” e pela firmeza moral, pela disposição de não se corromper (Furtado, 1997, t. i, p. 117, 324; t. ii, pp. 80-81, 88, 133, 142, 195).

À semelhança de Sérgio, após longo percurso, deparamos com uma questão não resolvida. Como e quem define o que deve e o que não deve? São os próprios intelectuais? Eles o fazem livremente?

APROXIMAÇÕES, DISTANCIAMENTOS, CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois autores compartilham da tradição humanista-racionalista. É a partir dela que se colocam como agentes da emancipação ou desenvolvimento. Equipados com a razão, o engajamento se lhes apresenta como inevitável. É um dever. Ambos gastaram suas vidas em batalhas intelectuais e políticas. Deixaram um grande legado em reflexões teóricas e intervenções. Eles se sabiam influentes no mundo em que viveram.6

A transformação sonhada deveria ser pacífica e gradual. Ambos rejeitavam rótulos, mas Sérgio se dizia socialista-cooperativista. No limite, o sonho de Celso Furtado era um welfare state mundial ou uma social-democracia (Moraes, 1987).

Sérgio era ensaísta e polemista; Furtado era mais acadêmico e moderado. Os dois confiavam no seu poder de convencimento. Sérgio (1971) dizia: “Queiramos pensar um pensamento que se imponha aos homens pela sua justeza” (pp. 70-71). Furtado (1997), no meio de um turbilhão ideológico
–anos 1962-1964, de forte polarização social e política no Brasil– dizia que: “Todo o esforço [do seu texto e intervenção] era feito para salvar da controvérsia o que me parecia essencial, certo de que, sem um amplo apoio social, não seria possível levar adiante uma política de desenvolvimento” (t. i, p. 324.)

Os intelectuais ocupam um lugar mais decisivo no pensamento de Sérgio do que em Furtado. Para o português, sem uma boa elite seria impossível a transformação social ou a democracia. É por esta via que, às vezes, ele abre a possibilidade de, excepcionalmente, agir fora dos parâmetros democráticos. A razão era maior que a democracia, dizia em 1925: “A única soberania para o verdadeiro democrata é a soberania da Razão; e quando o povo deseja coisa contra a Razão, o nosso dever de democratas é não reconhecer ao povo soberania alguma, e contrariá-lo, e emendá-lo” (Sérgio, 1925, p. 202). Sérgio não estava sozinho. Esta visão era, naquela conjuntura, defendida por seus colegas de Seara Nova (Gomes, 2015, p. 41). Inversamente, em contexto distinto, Furtado preferia abrir mão de seus planos e cargos a abraçar soluções autoritárias, por mais ilustradas que fossem. Era uma firme posição em defesa das liberdades democráticas, algo significativo, porque no Brasil dos anos 1960 a democracia estava longe de consolidada.7

Os dois se proclamavam livres, aptos a falarem em nome da nação, da humanidade, do desenvolvimento. Pode-se inferir das suas obras que eles se apresentam como o modelo de intelectual. Ao fim e ao cabo, seriam eles próprios que escolheriam livre e racionalmente o que deveria e o que não deveria ser feito.

É possível essa liberdade dos intelectuais? Podem eles escrever e agir sem constrangimentos? Ao tratar dessa questão, nos encaminhamos para as considerações finais. Já vimos a posição de Mannheim, a preferida de Furtado e implícita em Sérgio, que também evoca Julien Benda.

Para Gramsci, os intelectuais possuem uma autonomia relativa precisamente para desempenhar o papel que lhes cabe, isto é, organizar as classes, fazendo-as se expressarem no plano social e político. Assim, por não estarem na esfera da produção direta, os intelectuais podem colocar questões além do plano econômico-corporativo, operando na esfera das lutas pela hegemonia –a direção moral e intelectual de outras classes (Gramsci, 2004). Apesar dessa parcial liberdade, a vinculação dos intelectuais às classes seria inequívoca. Aí reside o limite da sua margem de manobra.

Sirinelli também trata do tema. No bojo da renovação da história nos 1970 e, particularmente da história política, historiadores franceses estudam os intelectuais a partir das suas redes de sociabilidades, a exemplo de revistas, editoras, clubes, ambientes em que os intelectuais convivem, divergem, se articulam e, consequentemente, incidem sobre o que eles produzem (Sirinelli, 2003, p. 252).

Por sua vez, Bourdieu estuda os intelectuais a partir dos campos, os microcosmos com suas leis próprias que regem as ações de quem deles toma parte, gozando de autonomia relativa em relação ao macrocosmo e aos demais campos. Reconhecidos os campos, evita-se dois riscos elementares quando se estuda os intelectuais: as leituras “externalistas”, que tratam os textos com subprodutos do social e as “internalistas”, que se restringem ao exame do próprio texto (Bourdieu, 2004, pp. 19-21).

Em alguma medida, as três abordagens são úteis para se pensar os personagens em questão e debater o problema da liberdade. Em texto de 1920, António Sérgio fala do seu desencontro com todos, com a Direita e com a Esquerda, as elites, a burguesia e os proletários. Para Magalhaes-Vilhena, o pensamento sergiano “afirma-se em consonância com o que fora o ideal filosófico da burguesia europeia culta e progressiva [...] o ideal do conhecimento racional, a valorização da razão” (Magalhães-Vilhena, 1975, pp. 115-117), mas na experiência imediata portuguesa, especialmente entre 1910 e 1940, sua relação é de estranhamento com a as diversas classes, incluindo a burguesia. Este período teria sido, também, de desorganização dessas mesmas classes, segundo Magalhães-Vilhena. Pode-se então pensar que a liberdade de que desfruta Sérgio relaciona-se à conjuntura social do país.

Mas a classe social é apenas um dos coletivos que condiciona as ações dos sujeitos. Escrevendo sobre o tema, Sérgio interroga: “Qual é a sociedade que me dá a moral? É a sociedade do sindicato? A do bairro? A do clube? Ou a do Estado?” Na sequência caminha, à sua maneira, para apontar a lei moral da Humanidade que deve guiar os homens.8

Apesar da saída que ele propõe, suas perguntas identificam exemplos de instâncias em que concretamente se colocam as pessoas. No seu caso, cabe falar da revista Seara Nova, uma rede de sociabilidade ou um microcosmo onde ele, por quase duas décadas (1923-1939), conviveu, constituindo-a e sendo por ela moldado.

Seara Nova ocupou lugar central no debate público português, especialmente nos anos 1920 e 1930, tentando se colocar como uma barreira ao avanço do integralismo luso (Pinho, 2015, p. 18), tendo entre seus principais nomes Jaime Cortesão, Raul Proença e o próprio António Sérgio. Muito sinteticamente, o ideal seareiro se traduzia na defesa de princípios idealistas, humanistas e racionalistas, deitando suas raízes mais profundas na tradição do Iluminismo. “O primado da cultura e da moral a que a vida política se deveria subordinar, constituiu a base nuclear de toda a ação dos seareiros, cientes que detinham a posse da razão e a eficácia das ideias” (Fitas, 2010; Pinho, 2012). A revista reproduzia o discurso da “regeneração” do país, numa toada salvacionista. As teses de Sérgio são também parte deste ideário, observa Bonifácio (1989, p. 130).

A salvação dependeria muito das elites a quem os intelectuais pretendiam influenciar. Nos termos de Amon Pinho (2015), o Seara Nova propunha “transformar radicalmente a mentalidade da elite portuguesa, de modo a torná-la apta a ‘um verdadeiro movimento de salvação’ [...], formar uma opinião pública que exigisse e apoiasse as reformas”. A “regeneração” do país, pensavam os seareiros, apenas teria chance com esse “escol intelectualmente capaz e um profundo movimento de opinião pública, galvanizado por um ideal colectivo” (p. 20).

A convergência das proposições de Celso Furtado com classes ou frações de classe é mais clara. Os industriais de São Paulo, diz o próprio autor, eram sensíveis às suas ideias desenvolvimentistas, mas careciam de argumentos teóricos. Foi precisamente aí que atuaram o autor e seus colegas da cepal, produzindo um fundamento ideológico para aquele grupo social (Colistete, 2002).

O pensamento do autor também pode ser discutido à luz dos debates que atravessavam os campos econômico e intelectual do Brasil nos anos 1950 e 1960. Na primeira década a maior controvérsia era quanto ao desenvolvimento. O embate se dava entre os desenvolvimentistas, com variados graus de nacionalismo, e os seus oponentes, defensores da manutenção do modelo primário-exportador. O Rio de Janeiro era o palco principal das discussões. Ganhar o debate ali, dizia Furtado, era fundamental para influenciar nos projetos a serem implantados no país (Furtado, 1997, t. i, pp. 208, 211, 252, 276).

Havia, entre os intelectuais brasileiros, forte tradição de vínculo com o Estado. Foi o próprio crescimento do aparelho estatal no pós-1930 que ampliou o campo de atuação e viabilizou a carreira da maioria dos intelectuais (Miceli, 2001, p. 197). Em virtude disso, o campo cultural no Brasil seria sui generis: os circuitos de consagração eram controlados pelos homens das artes e ciência em geral, mas eles operavam a partir dos postos estratégicos que ocupavam nas instâncias públicas (Miceli, 2001, p. 215).

Nos anos 1950/1960, observa Daniel Pécaut (1990, p. 103), permanece a forte atração do poder público sobre a intelligentsia e, tal como a geração de 1930, o grupo, especialmente o segmento nacionalista, acredita ter papel crucial na transformação do país, tendo o Estado como agente ou pelo menos um grande parceiro. No decorrer dos anos 1960, gradativamente, foi se transformando a visão e a relação da intelligentsia com o Estado. Com a crescente influência dos intelectuais de São Paulo, tendo a usp –Universidade do Estado de São Paulo– como principal centro aglutinador, os campos científico e político foram se “desprendendo”, especialmente após o golpe de 1964 (Carvalho, 2007, p. 25).

Celso Furtado se tornou servidor público em 1943 e ocupou muitos cargos e funções nas estruturas do Estado ao longo de sua trajetória. Entre 1949 e 1958, integrou a cepal, um dos mais influentes centros de elaboração e difusão de ideias nacionalistas e desenvolvimentistas naquela conjuntura.

Conforme tipologia de Bielschowsky (1996, pp. 242-243), o pensamento econômico brasileiro (1950/1960) se organizava em quatro grandes correntes: a) neoliberal, b) desenvolvimentista, que se subdividia em “setor privado”, “setor público nacionalista” e “setor público não nacionalista”, c) socialista e d) pensamento independente de Ignácio Rangel.9

Celso Furtado, a cepal e o iseb10 eram “desenvolvimentistas nacionalistas do setor público”. O pcb, embora integrasse a corrente específica, a socialista, fazia parte do campo nacionalista que travou um grande embate com o setor “neoliberal”, representado por instituições como Fundação Getúlio Vargas, Confederação Nacional do Comércio, Associação Comercial de São Paulo e nomes como Eugênio Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões (Bielschowsky, 1996; Pécaut, 1990).

Segundo Daniel Pécaut (1990), sem desconsiderar as diferenças diacrônicas e sincrônicas, os intelectuais de 1930 e os de 1950/1960 convergem em diversos pontos: apostam no “poder das ideias”, colocam-se como porta-vozes do povo (1930) ou parte dele (1960), acreditam-se fundamentais para a nação, considerando-se “responsáveis pela reaorganização racional da esfera social” (p. 183).

Percebe-se que o pensamento e intervenção de Furtado são, em grande medida, convergentes, produtos mesmo, da dinâmica do campo a que pertenceu. Mas há também diferenças. Uma delas é que o engajamento explícito dos intelectuais do iseb e pcb nas questões políticas imediatas não se verifica em Furtado, o que lhe teria permitido, segundo a auto-imagem que ele se propõe a construir, manter distância segura dos embates da política pequena.11 Isto é, no interior desse campo conflagrado, o autor se coloca como o “equilibrado”, o “reformista”. Para tanto, nada mais eficaz do que o discurso da razão, acima das paixões desenfreadas que contaminavam o debate.

Nos anos 1960, a disputa ficou mais política e menos teórica. A bifurcação Esquerda X Direita parece atravessar todas as questões. Mais uma vez, Furtado apela à primazia da razão para sustentar seus projetos reformistas. Naturalmente, as posições moderadas também tinham seu preço: para a Direita, ele era o “agente de Moscou”; para as frações mais à Esquerda, ele era um burguês.

Além dos vínculos mais amplos e da dinâmica do campo intelectual, as relações pessoais, entabuladas ao longo de anos de convivência, também foram importantes em momentos cruciais da trajetória de Furtado. Exemplo disso é atuação de Cleantho de Paiva Leite, assessor econômico de Getúlio Vargas (1951-1954). Ele integrava o círculo de amigos de Celso Furtado desde os tempos de estudante na Paraíba. Leite foi importante para que Vargas recebesse a cúpula da cepal e declarasse apoio à entidade quando os seus opositores mais lhe questionavam. De igual forma, no primeiro encontro entre o Juscelino Kubitscheck e Celso Furtado, Leite facilitou o caminho para que surgisse a parceria entre o presidente e o economista (Furtado, 1997, t. i, pp. 228-229; t. ii, p. 76).

Possivelmente, o grande capital simbólico que possuíam os dois autores –Sérgio e Furtado– lhes colocavam em lugares de destaque dentro do campo intelectual em seus respectivos países, conferindo-lhe se não autonomia, mais liberdade de movimento dentro e fora do campo em relação a figuras de menor importância.

Apesar do discurso por vezes genérico em nome da Humanidade, da nação ou do desenvolvimento e da distância em relação às agremiações partidárias, os dois não se omitiram. Engajaram-se politicamente e pagaram alto preço pela clara oposição aos regimes opressivos instaurados nos seus países.

A função maior que ambos se propunham era semelhante. Colocando-se acima dos interesses específicos, eles se diziam capazes de, em nome da razão, propor o melhor caminho para o país ou para toda a humanidade. Para Sérgio, era ele e seus companheiros de Seara Nova os maiores exemplos da elite ideal, o estrato mais elevado, o fiscal dos fiscais. Para Furtado, era ele e as entidades a que pertenceu (cepal) ou coordenou (Sudene), grandes agentes da intervenção racional, parteiras da história.

Mas a história foi cruel com ambos. A elite sonhada por Sérgio não surgiu; os projetos reformistas de Furtado foram derrotados. O fracasso seria a prova de que suas teses e propostas não eram factíveis e que o modelo de intelectual que enunciam não tinha fundamento? Ou, inversamente, a resiliência da obra legada pelos dois mostra o seu vigor enquanto intelectuais, cuja influência é capaz de atingir distintas gerações, comprovando-se sua autonomia em relação aos condicionantes mais imediatos do momento de sua produção?            Em tempos de intensos debates políticos, os intelectuais são chamados à intervenção pública, extrapolando os limites do campo cientifico. Como fazê-lo? Se, por um lado, a premissa da plena independência intelectual como sonhavam os autores examinados não se mostra possível, por outro, a simples rendição a um projeto ou movimento político é nada desejável. A conservação de alguma margem de autonomia é sempre necessária e benéfica ao trabalho científico e para a vida em sociedade com um todo. Nesse segundo caso, a trajetória de ambos é instrutiva e mesmo grandiosa.

O libelo de Julien Benda contra a traição dos intelectuais, observa Winock (2000), era profético nos dois sentidos da palavra: denunciava a “inteligência que se permitia justificativas eruditas e literárias para os desregramentos das paixões particulares” e “anunciava as sociedades que anulariam qualquer poder do pensamento independente: os regimes totalitários” (p. 257). A quintessência do totalitarismo, explica Bobbio (1997, p. 80), é a “politicização integral do homem”, a dissolução das diferenças entre o político e o pessoal. Para o bem da vida em sociedade, recomenda o pensador italiano, a cultura deve sempre preservar uma autonomia relativa em relação à política, da mesma forma que os intelectuais. Antônio Sérgio e Celso Furtado concordariam plenamente.

Dada à complexidade do tema e a extensão da obra por eles deixada, o artigo levanta diversos pontos que exigem outras reflexões e outros escritos. E nem poderia ser diferente, em se tratando de uma abordagem sobre António Sérgio e Celso Furtado.

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1                             Cumprindo exigência da legislação eleitoral, o mdb passou a se chamar pmdb a partir de 1980.

2                             Na verdade, Sérgio participou de algumas campanhas políticas. Cf. Cruz (1983, t. ii, p. 701).

3                             Para Magalhães-Vilhena, o projeto de Sérgio é burguês-progressista. Cf. Magalhães-Vilhena, 1975, p. 142.

4                             Para análise dos intelectuais da Action Française ver Cazetta (2017).

5                             O tema é controvertido. Em diversas passagens Sérgio defende soluções ditatoriais provisórias: Sérgio (1955, t. v, p. 47; 1958, t. viii, p. 238-239; 1978, p. 229). Em outras, enfatiza a defesa da democracia: “A aspiração democrática é imorredoura: trazemo-la na consciência, e vem lá da funda da história humana, através da Grécia e da Roma antigas, do Cristianismo e da Revolução. Ninguém no mundo a destruirá” (Sérgio, 1972a, t. iii, p. 158). Nota-se que o autor tem uma visão idealista e normativa da democracia. Sobre o tema cf. Teixeira (2015).

6                             A título de exemplo, entre 1964 e 1972, foram vendidos mais de 400 mil livros de Furtado na A. Latina. Cf. Furtado (1983, p. 41).

7                             Sobre a democracia em Furtado e no Brasil do pré-64, cf. Fico (2017); Figueiredo (1993); Furtado (1962); Mattos (2008); Melo (2014); Toledo (2004).

8                             Sobre os coletivos que condicionam o sujeito cf. Aróstegui (2006). Sobre as interrogações de Sérgio cf. Sérgio (1971, t. i, p. 144).

9                             Bielchowsky (1996) faz exposição cuidadosa de cada corrente nos capítulos 4, 5, 6 e 7.

10                           O grupo do iseb não era homogêneo. Além disso, a entidade passou por importantes transformações entre sua criação em 1955 e extinção em 1964. Ver detalhes das correntes internas e transformações em Pécaut (1990, pp. 138-141); Toledo (1977).

11                           Outra diferença fundamental diz respeito à visão dos intelectuais a acerca da democracia liberal, especialmente aqueles vinculados ao iseb que não tratam do tema ou o enxergam com desdém (Pécaut, 1990). Já Celso Furtado (1964), como já apontado nesse texto, vê a liberdade política/liberal como algo inegociável. Mas se trata de algo por demais complexo que dificilmente poderíamos explorar nesse texto sem correr o risco de cometer graves injustiças com outros intelectuais do bloco nacionalista-reformista. O tema mereceria um artigo específico para ser minimamente exposto.

*                             Este artigo é produto de uma pesquisa de Pós-Doutoramento realizada em Lisboa no cics/fcsh/unl, com o apoio financeiro da capes.

**                          Doutor em história pela Universidade de São Paulo (usp) e pós-doutorado pela Universidade Nova de Lisboa/unl. É Professor Permanente da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), atuando nos Programas de Pós-Graduação em História/ppgh e Desenvolvimento Social/ppgds. Áreas de atuação: História Política, História Intelectual, Brasil República.