10.18234/secuencia.v0i112.1908
Artículos
A “Missão Militar Brasileira à França” nos Combates da Frente Ocidental (1918)*
The “Brazilian Military Mission to France” in the Battles of the Western Front (1918)
La “Misión Militar Brasileña en Francia”
en las Batallas del Frente Occidental (1918)
Johny Santana de Araújo1** https://orcid.org/0000-0003-3082-1785
1Universidade Federal do Piaui, Brasil. johnysant@gmail.com
Resumo:
Em outubro de 1917, após o afundamento do cargueiro brasileiro Macau, o presidente Wenceslau Braz declarou guerra à Alemanha; sem condições para levar uma grande ação bélica a Europa, optou entre outras coisas, pelo envio de uma Comissão Brasileira de Estudos, de Operação de Guerra e Compra de Material. Este artigo pretende discorrer sobre os seus antecedentes, sobre o papel da França na cooptação do Brasil para a guerra, sobre a formação da comissão, sua missão e finalmente como se deu a atuação dos seus oficiais no front francês e belga durante a campanha dos Cem Dias em 1918. Foi possível verificar que o desempenho dos militares contribuiu para a aquisição de considerável experiência, e por conclusão permitiu a adoção de um padrão militar que seria ampliado após a contratação de uma Missão Militar Francesa em 1919. Missão essa que reformaria o Exército Brasileiro ao longo de vinte anos.
Palavras-chave: história militar; história das relações internacionais; república velha; exército brasileiro; primeira guerra mundial.
Abstract:
In October 1917, after the sinking of the Brazilian cargo ship Macau, president Wenceslau Braz declared war against Germany; unable to stage a large war action to Europe, among other things, Braz opted to send a Brazilian Commission for Studies, War Operation and Purchase of Material. This essay intends to focus on the antecedents of the formation of the commission, on the role of France in the co-optation of Brazil to the war, on the formation of the commission and its mission, and finally on how the commission’s officials acted in the French and Belgian front during the hundred day campaign in 1918. It was possible to ascertain that the performance of the military contributed to their acquisition of considerable experience, and it caused the adoption of a military pattern that would be enlarged after the hiring of a French Military Mission in 1919. This mission would reform the Brazilian Army during twenty years.
Keywords: military history; history of international relations; old republic; Brazilian arm; first world war.
Resumen:
En octubre de 1917, tras el hundimiento del carguero brasileño Macao, el presidente Wenceslau Braz declaró la guerra a Alemania; incapaz de emprender una gran acción militar en Europa, optó, entre otras cosas, por enviar una Comisión Brasileña de Estudios, Operación de Guerra y Compra de Material. Este artículo pretende discutir sus antecedentes, el papel de Francia en la cooptación de Brasil en la guerra, la formación de la comisión, su misión y, finalmente, cómo actuaron sus oficiales en el frente francés y belga durante la campaña de los Cien Días en 1918. Se pudo constatar que el desempeño de los militares contribuyó a la adquisición de una experiencia considerable, y en conclusión permitió la adopción de un estándar militar que se ampliaría luego de la contratación de una Misión Militar Francesa en 1919. Esta misión reformaría al Ejército brasileño durante 20 años.
Palabras clave: historia militar; historia de las relaciones internacionales; vieja república; ejército brasileño; primera guerra mundial.
Recibido:
7 de noviembre de 2020 Aceptado: 3 de febrero de 2021
Publicado: 14 de febrero de 2022
INTRODUÇÃO: O BRASIL EM 1917, A SITUAÇÃO INTERNACIONAL E A DECLARAÇÃO DE GUERRA
Em 1916, muitos na Europa desacreditavam que a grande guerra, iniciada em agosto de 1914, seria “a guerra que acabaria com todas as guerra”;1 não havia sido curta, nem mais se tinha a inocência de que ela mudaria o mundo, matando o passado e projetando o futuro, tal como muitos intelectuais das vanguardas modernistas acreditavam durante a Belle Époque,2 a guerra que nascera como um conflito europeu paulatinamente arrastava a todos,3 não seria difícil o Brasil tomar parte dela como não foi para os Estados Unidos da America em 1917.
Assim que a guerra começou, a neutralidade brasileira foi estabelecida (Decreto No. 11.037, 2015, p. 21), contudo, desde março de 1915, um grupo de intelectuais, havia criado a Liga Brasileira pelos Aliados, cujo objetivo era coordenar as simpatias expressadas em favor da França (Compagnon, 2007, p. 89).
O presidente da Liga era Rui Barbosa, e um de seus maiores arautos foi José Pereira da Graça Aranha, um grande conhecedor da Europa e da França em razão das missões diplomáticas do Itamaraty. Graça Aranha declarou, em um discurso da Liga, que “desde o desencadeamento do conflito, chegamos à França, movidos pelo próprio instinto que nos mostrou nesta guerra a [...] luta da barbárie contra a civilização” (Gaillard, 1918, p. 41).
Não havia, contudo, nenhuma razão concreta para o Brasil tomar partido, e nem para uma ruptura, a não ser que algo sinalizasse nesse sentido, o que só se daria pela ofensiva desencadeada pelos alemães por meio de sua guerra submarina irrestrita em 1917.
À medida que a guerra na Europa se intensificava, mais ampliava-se a disputa pela tomada de partido, incentivada pelos intelectuais francófilos, inclusive com intensa oposição a Lauro Muller, ministro das Relações Exteriores do Brasil, que era de origem germânica e pró-Alemanha, oposição inclusive da França, perpetrada por seu diplomata Philippe Joseph Louis Berthelot, ao afirmar seu apoio a queda de Muller. Segundo Suppo (2004), em 1916 e 1917, Berthelot afirmou: “tivemos sucesso, pois, promovendo intrigas políticas, causamos movimentos de opinião e, ao preparar o acordo franco-brasileiro, contribuímos para a queda de Lauro Muller, para o rompimento das relações diplomáticas, para a denúncia de neutralidade e, finalmente, para o reconhecimento do estado de guerra” (p. 4).
Trata-se de uma clara ação de agentes franceses que atuavam nos bastidores, visando a construção e fortalecimento de uma cooperação franco-brasileira com sentido a declaração de guerra do Brasil a Alemanha. No Exército, havia um grupo de oficiais que realizaram visitas de estágio na Alemanha antes da guerra e que nutriam certa antipatia a aproximação de setores do governo brasileiro com a França; eram fortes defensores da doutrina germânica, esses mesmos oficiais editaram a revista A Defesa Nacional (McCann, 2009, p. 216).
Em princípios de 1914, o tenente-coronel Alexandre Henriques Vieira Leal (1914) realizou uma longa visita à Europa, especificamente ao Exército Alemão, cujo resultado foi a produção de um extenso relatório que foi entregue ao ministro da Guerra, dando conta das possibilidades de uma maior aproximação com a Alemanha.
O ano de 1917 seria decisivo para o governo Wenceslau Braz, e a opção clara de boa parte de sua intelectualidade era pelos franceses e ingleses, mas havia um grupo de pensadores ligados à Alemanha; Monteiro Lobato foi um dos mais ativos, declarando-se germanofilo. Dunshee de Abranches era outro intelectual que apregoava que o conflito era fruto de uma conspiração engendrada pelo Reino Unido e encampada pela França e pela Rússia para liquidar os Impérios Centrais (Pires, 2017). Nesse grupo, incluiu-se ainda o historiador Capistrano de Abreu e o jornalista Assis Chateaubriand (Mendonça, 2008, p. 30). Ainda em 1910 o então presidente Hermes da Fonseca nutria forte simpatia pela Alemanha, tendo ele próprio visitado e participado de manobras militares, a convite do Kaiser Guilherme II quando do estágio dos oficiais brasileiros naquele ano. Estes militares estavam sob as ordens de Hermes da Fonseca quando o mesmo ocupava o cargo de ministro da Guerra entre os anos de 1906 e 1909, na ocasião, ele havia tomado juntamente com o então chanceler brasileiro José Maria da Silva Paranhos Junior, iniciativas para modernizar o ensino militar, enviando os oficiais para o estagio no Exército Alemão.
De acordo com Luna (2011) “O estágio da última turma de oficiais no Exército Alemão ocorreu entre 1º de outubro de 1910 e 30 de setembro de 1912” (p. 192). Ao retornarem ao Brasil formaram um núcleo denominado de Jovens Turcos em alusão aos militares da Turquia que promoviam reformas políticas naquele país. Os oficiais brasileiros também pretendiam reformar o pensamento militar brasileiro com a fundação da revista A Defesa Nacional em outubro de 1913, assim fariam uma maior divulgação das suas ideias sobre a modernização do Exército e da Nação.
Mas, no início de 1917, na medida em que a Alemanha decidiu estabelecer um bloqueio submarino contra a Grã-Bretanha, França e Itália, e na parte oriental do Mar Mediterrâneo, as relações com os demais países, especialmente os da América sobretudo o Brasil e os Estados Unidos da América ficaram mais tensas e, em 31 de janeiro de 1917, o ministro das relações exteriores da Alemanha, Arthur Zimmermann (2015), notificou o governo brasileiro sobre o bloqueio.
Houve protestos do governo brasileiro, pois Venceslau Brás era contrário ao bloqueio, e deixou clara a sua postura frente a atitude alemã em nota emitida pelo ministro plenipotenciário em Berlim, Silvino Amaral (2015), ao afirmar que: “[...] A inesperada comunicação, agora recebida, de um extenso bloqueio de países, com os quais o Brasil tem ativas relações econômicas e está em ininterrupto contato por navegação também brasileira, produziu a mais justificada e profunda impressão pela ameaça iminente de injustos sacrifícios de vidas, destruição de propriedades e completa perturbação das transações comerciais” (pp. 35-36).
O país acabou rompendo relações comerciais com a Alemanha. Nos Estados Unidos da America, em 5 de fevereiro de 1917, o presidente Woodrow Wilson declarou o rompimento das relações com a Alemanha; e “em 6 de abril, o Congresso dos Estados Unidos da América declarou, e o presidente proclamou, que o Estado de guerra existia entre os Estados Unidos da América e o governo imperial alemão” (Benson, 2015), apesar de o presidente Venceslau Brás continuar mantendo a neutralidade brasileira.
Embora a guerra parecesse marcar uma parada na relação cultural entre a Europa e o Brasil e o contato tenha se limitado ao que era essencial, no caso, o comércio ameaçado naquele momento pelo bloqueio, intelectuais brasileiros continuavam marcando presença em Paris (Azevedo, 2002, pp. 204-209). Por sua vez, a propaganda diplomática a favor dos aliados continuava se fortalecendo no Brasil, desde 1916, por conta do embaixador francês, Paul Claudel, e seu secretário, Darius Milhaud (Azevedo, 2002, pp. 236-237), e da ligação mantida entre políticos e jornalistas, como Júlio Mesquita, que publicava o Boletim Semanal da Guerra, que pretendia “libertar-se das notícias simplesmente descritivas e muitas vezes confusas”, para propor, a partir de várias fontes, uma visão de síntese e uma reflexão sobre as diferentes perspectivas que encobriam o conflito em curso (Mesquita, 2002).
É importante frisar que o Brasil iria cortar relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, em 11 de abril de 1917, em razão do torpedeamento, durante a noite de 3 para 4 de abril de 1917, do navio mercante brasileiro Paraná que navegava a dez milhas da cidade de Barfleur no canal da Mancha, causando a morte de três tripulantes. O navio obedecia a todas as exigências feitas as embarcações de nações neutras (Vinhosa, 1990, p. 109).
Em nota enviada ao governo alemão, o ministro Lauro Muller, lamentou o estado de situação, e com grande pesar comunicou ser obrigado a reconhecer que era forçado à vista de quanto se passava, “a suspender as relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha”. Muller instruiu ainda que “nesta mesma data, o ministro do Brasil em Berlim” estava autorizado a “fazer esta comunicação ao governo da Alemanha e a pedir passaportes a fim de retirar-se do país com todo o pessoal da legação a seu cargo”. Muller (2015) informou ainda que “nesse sentido foram dadas ordens a todos os cônsules brasileiros no Império Alemão [para se retirarem]”.
Os ataques continuaram e em 20 de maio de 1917 o navio Tijuca foi torpedeado perto da costa francesa pelo submarino alemão SM UC-36, e, em 22 de maio de 1917, foi a vez do navio a vapor Lapa, atingido por torpedos. O governo brasileiro apreendeu então quarenta e dois navios mercantes alemães que estavam em portos brasileiros (Daroz, 2016, pp. 95-99).
As pressões para a entrada do Brasil na guerra eram grandes no país; e, na França, havia uma consciência por parte dos franceses de que a causa aliada deveria acelerar a vontade nacional e o apelo popular, a fim de fortalecer a motivação da declaração de guerra por parte do governo em apoio à França. Segundo o diplomata francês Philippe Berthelot: “Para o futuro, duas condições parecem essenciais: o sangue brasileiro terá que ser misturado com o francês nos campos de batalha, a fim de consolidar nossa aliança e despertar o ódio aos alemães, e não sermos pegos no escuro, [...] pela repentina paz, enquanto os outros grandes povos poderão ter fortalecido seus meios de penetração econômica e influência intelectual” (Suppo, 2004, p. 4).
A pressão era oriunda também dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, e se tornou evidente por conta da tentativa de dividir o patrulhamento no Atlântico Sul, e na efetivação de envio de tropas à Europa. Cervo e Bueno (2008) em suas pesquisas,4 indicam que o posicionamento brasileiro a favor da causa aliada interessava aos Estados Unidos da América (p. 210) “[...] pois influenciaria a posição dos demais países latino-americanos” em defesa dos aliados.
O afundamento, em 18 de outubro de 1917, do cargueiro brasileiro Macau, de propriedade do Lloyd Brasileiro, acabou desencadeando a declaração de guerra do Brasil à Alemanha, foi torpedeado pelo submarino alemão SM U-93, próximo à costa da Espanha, e o capitão feito prisioneiro (Daroz, 2016, pp. 103-104).
Em 26 de outubro de 1917, o presidente da república, pelo decreto n. 3.361, fez saber que o Congresso Nacional decretou –e ele sancionou, reconheceu e proclamou– o estado de guerra contra a Alemanha, e autorizou o presidente da república a tomar medidas de defesa nacional e segurança pública que julgasse convenientes para esse fim.5
A ofensiva submarina alemã estava inflexível, e os ataques a navios brasileiros continuaram, com o estado de guerra declarada. Assim em 4 de novembro de 1917, os navios Acari e Guaíba foram torpedeados pelo submarino alemão SM U-151, quando estavam ancorados no porto da Ilha de São Vicente, em Cabo Verde.6
O cargueiro Taquari foi o último navio brasileiro atacado por um submarino alemão, fato ocorrido em 2 de janeiro de 1918, próximo ao litoral da Reino Unido. O barco foi canhoneado, levando à morte oito membros da tripulação que tentavam escapar nas baleeiras (Martins, 1997, p. 263). O navio conseguiu chegar até o Porto de Cardiff no País de Gales.
A CONFERÊNCIA INTERALIADA DE 1917 E A MISSÃO MILITAR BRASILEIRA NA FRANÇA
Em fins de 1917, aconteceu a Conferência interaliada da qual o Brasil participou com o envio do ministro Olinto de Magalhães (Vinhosa, 1990, p. 133). O objetivo desta “conferência de guerra” foi aperfeiçoar “uma coordenação mais completa das atividades das várias nações envolvidas no conflito e um entendimento mais abrangente de suas respectivas necessidades” (Fenwick, 1919, p. 200), com fins a melhor avaliação da guerra.
A primeira reunião da Conferência foi em 29 de novembro de 1917, realizou-se nas dependências do Quai d’Orsay,7 e incluiu diplomatas dos Estados Unidos da América, Reino Unido, França, Itália, Japão, Rússia, Bélgica, Sérvia, Romênia e oito dos beligerantes menores (Fenwick, 1919, p. 200), dentre os quais o Brasil.
Durante esta, e em cooperação com o Conselho Supremo de Guerra, se criou vários subconselhos e comitês, dos quais, o conselho naval interaliado, o conselho aliado de transporte marítimo, e outros subordinados de alimentos e munições, e um interaliado sobre compras de guerra e finanças e o comitê de bloqueio aliado (Fenwick, 1919, p. 200).
Olinto de Magalhães firmou o compromisso de o país contribuir com a guerra de três formas: enviando uma Divisão Naval de Operações de Guerra (dnog) para atuar em patrulha no Atlântico; o envio de um grupo de aviadores para treinamento e participação de futuras missões; e finalmente de uma missão médica (Vinhosa, 1990, p. 133).
Nesse contexto, foi de grande importância o papel desempenhado por Graça Aranha, ministro plenipotenciário do Brasil e um dos fundadores, com José Verissimo, Antônio Azevedo, Pedro Lessa, Barbossa Lima, Olavo Bilac e Manoel Bonfim, da Liga Brasileira pelos Aliados (Oliveira, 1990, p. 118). Segundo consta, ele participou de todas as ações de política e propaganda pró-francesas no Brasil, para Suppo (2004): “Ele lançou a ideia da intervenção do Brasil. [Ele] desencadeia e inspira a campanha contra Lauro Müller [Chanceler, de origem alemã]; provoca a intervenção na tribuna de vários estadistas; ele combina com nossos serviços de propaganda [franceses] com o [...] discurso de Ruy Barbosa, que [...] coloca o Brasil à beira da guerra” (p. 4).
No país ocorreram grandes embates entre imigrantes alemães e apoiadores da entrada do país na guerra ao lado dos aliados, que em parte causaram a demissão do chanceler Lauro Müller, que, mesmo sendo de origem germânica, ocupava o cargo desde 1912, e acabou sendo substituído por Nilo Peçanha, declaradamente francófilo (Compagnon, 2007, p. 87).
Graça Aranha também recomendava o envio de tropas brasileiras para a Europa, e uma missão militar francesa no Brasil, e a compra de equipamento militar na França (Suppo, 2004, p. 4). Ao mesmo tempo, os deputados francófilos Nabuco Gouvêa, Maurício Lacerda e João Pandiá Calógeras, que seria futuro ministro da guerra, entre 1919 e 1922, lideraram uma intensa campanha em favor dessas propostas (Bastos Filho, 1994, pp. 3-66).
Além dos diplomatas brasileiros e franceses, os militares de ambos os países também consideraram o envio de tropas brasileiras para combater na Europa, o que gerou especulação da imprensa inglesa. O ministro Fontoura Xavier também havia proposto ao Rei George V do Reino Unido que tropas brasileiras fossem empregadas na Mesopotâmia, atual Iraque, os jornais ingleses e norte-americanos chegaram a publicar que o Governo brasileiro estava pronto a fornecer uma força de 500 000 homens (Vinhosa, 1990), em auxílio aos ingleses que estavam tendo dificuldades para vencer os turcos otomanos. Calógeras fazia uma estimava mais realística sobre o envio de homens para a guerra; segundo ele: “nossa colaboração deva ser levada, sistematicamente e não por crises (como até agora) no teatro da peleja. Para isto devemos ter como representação um corpo expedicionário de 120.000 a 150.000 homens que nada são para um povo de 25 milhões” (Calógeras, 1938, p. 18).
Havia também a ideia de enviar uma missão militar brasileira a Europa para estudar as operações de combate, a opção seria pelo envio de um grupo de oficiais para estagiar. Tratava-se de um arranjo alternativo ao despacho de tropas para combater diretamente no conflito; por outro lado, desde 1916, existia uma discussão muito fértil sobre a possibilidade da contratação de uma missão militar para treinar o Exército Brasileiro, franceses eram a opção clara. Por isso, fez-se um convite ao marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca para visitar os campos de batalha na França (Rodrigues, Matos y Zary, 2017, pp. 121-122).
A solicitação para viajar até a França já havia sido feita pelo governo francês, quando Hermes da Fonseca ainda era presidente, a ideia era que fosse “ver pessoalmente que o Exército Francês fora reconstruído e não estava contaminado pela propaganda anarquista, como dizia a propaganda alemã” (McCann, 2009, p. 146). A visita contribuiu para afastar a ideia de que Hermes da Fonseca fosse germanófilo e reforçar a escolha do governo brasileiro por uma missão militar francesa.
O projeto do envio de uma missão militar à França seguramente partiu dos adidos militares da França e do Brasil, apoiados por políticos brasileiros favoráveis a França, entre os quais o general Napoleão Aché; Pandiá Calógeras, futuro ministro da guerra e membro da comitiva brasileira nas negociações do tratado de versailles; e Epitácio Pessoa, chefe da delegação da comitiva e presidente da república em 1919 e 1922 (Mialhe, 2010, p. 98).
Finalmente, o congresso brasileiro aprovaria uma lei que previa o envio de uma missão militar à França para o treinamento do Exército (Bastos Filho, 1994, pp. 3-66). O envio desse grupo de oficiais para acompanhar o desenvolvimento da guerra na frente ocidental seria de fundamental importância para a adequação do Exército Brasileiro às novas doutrinas da guerra moderna (Rodrigues, Matos y Zary, 2017, p. 122).
Outro ponto importante foi a escolha do general de brigada Napoleão Fellipe Aché, como comandante da Missão Militar Brasileira à França, por causa de sua proximidade com os franceses, e ela seria composta por vinte e seis oficiais brasileiros (Rodrigues, Matos y Zary, 2017, p. 122).
Além disso, é importante lembrar-se do relevante papel desempenhado pelo capitão Alphonse Fanneau de La Horie, adido militar francês no Brasil, desde abril de 1917, no engajamento de uma missão militar francesa. O capitão havia sido membro da missão de reforma na Força Pública de São Paulo, entre 1911 e 1913, a missão havia sido contratada pelo governo paulista sendo encarregada de organizar e instruir a força policial do estado. O seu contrato foi firmado em Paris em 22 de dezembro de 1905. Inicialmente foi composta de dois oficiais e um sargento, mas posteriormente foi ampliada. O seu contrato foi renovado pela última vez, em 20 de junho de 1913, durou cerca de oito anos, somente sendo dispensada em decorrência da guerra em 1914 (Malan, 1988, p. 15). A existência do acordo entre os paulistas e franceses naqueles anos contribuiu muito para o fortalecimento das relações franco-brasileiras e acabaria reforçando a ideia do envio de uma força do Brasil a França.
O capitão Fanneau de La Horie se opôs ao envio imediato de uma missão francesa ao Brasil, preferindo antes despachar uma missão brasileira para estudo do Exército Francês e compra de equipamentos, sendo coordenada pelo general Napoleão Felippe Aché (Suppo, 2004, p. 4). O ministro da Guerra marechal José Caetano de Faria tambem era um dos oficiais superiores favoráveis ao envio de uma missão ao exterior, mas era igualmente contrário à ideia de trazer uma missão estrangeira para o Brasil (McCann, 2009, pp. 255-256).
Naquele momento, a França, estava impossibilitada de fornecer equipamentos de imediato, mas a missão brasileira à Europa ganharia tempo, evitando que uma outra missão fosse ser encomendada em outros lugares, principalmente nos Estados Unidos da América (Malan, 1988, pp. 43-47). O capitão Alphonse escreveu posteriormente, “Desde o início, propus o princípio de que nossa influência militar no Brasil deveria começar com a retomada da missão de São Paulo, recebendo gradualmente a extensão necessária; depois enviando uma missão brasileira à França; pela infiltração de oficiais e equipamentos [...] franceses (aviação, artilharia, metralhadoras)” (Suppo, 2004, p. 4).
Em 1917 o Exército Brasileiro foi rapidamente ampliado para 54 000 homens como resultado da declaração de guerra (Calógeras, 1938, p. 38), mas essa rápida expansão significa que os recursos mais imediatamente disponíveis deviam ser direcionados ao treinamento e equipamento dos novos recrutas. Assim a participação direta do Brasil nas operações terrestres limitou-se à missão militar preparatória dos vinte e seis oficiais, sendo enviada à Europa em princípios de 1918.
Seus membros foram ligados a unidades do Exército Francês, para conhecer as técnicas modernas empregadas na organização e combate. O fim do conflito, em novembro de 1918, impediu o desenvolvimento de um compromisso militar maior do país na guerra, como o envio efetivo de forças de combate, conforme previsto por Calógeras em seu plano.
Foi preparado um esquema traçado pelo adido militar francês no Brasil, sendo explicitado em carta que a missão era de estudos e compras e cujo título oficial em francês dizia “Mission Militaire d’Études des Operations de Guerra et d’Acquisition de Matériel em France”. Segundo Malan (1988, pp. 51-52), nessa disposição, não havia nenhuma indicação sobre a nacionalidade da missão, e o seu caráter econômico estava de acordo com o que o capitão Alphonse Fanneau de La Horie havia previsto em seu esquema.
A viagem da missão foi devidamente oficializada com o deslocamento de seu chefe, que, após passar pela Suíça, se dirigiu para os primeiros contatos em “Paris, no mês de outubro de 1917”, Aché depois seguiu “para Bayonne e Lisboa onde permaneceu todo o inverno” (Malan, 1988, p. 52). No início de 1918, os militares brasileiros começaram a chegar em vagas sucessivas em Paris.
Quando foi criada a Comissão de Estudos de Operações de Guerra e de Aquisição de Material na França, ou simplesmente a Missão Militar Brasileira à França em 1918, ou Missão Aché, por causa de seu comandante, muitos oficiais se destacaram, um deles foi o tenente-coronel Leite de Castro que seguiu para a França, no início de 1918, sendo posteriormente nomeado comandante em chefe da missão (Pechman, 2015a, p. 547).
Castro foi designado para compor a Missão Militar à França, em razão de seus conhecimentos técnicos como oficial de Artilharia, e lá ficou como adido do Estado-maior da Artilharia do Exército do general Charles Marie Emmanuel Mangin. Foi incumbido de elaborar planos de locomoção das forças aliadas, logrando vê-los aprovados pelas autoridades militares francesas (Pechman, 2015a, p. 547).
Formaram-se subcomissões que tinham como tarefa o estudo em detalhe dos assuntos ligados a cada ramo de suas especialidades, artilharia, cavalaria, infantaria, engenharia e medicina de guerra, absorvendo, completando e aproveitando todas as informações e ensinamentos que pudessem ter aplicação no Exército Brasileiro. Desde a sua chegada à Europa, realizaram estágios em diversas Escolas Militares, inclusive em Saint-Cyr. Naquela oportunidade, iniciaram a atualização dos conhecimentos relativos às suas especialidades, dentro das subcomissões (Rodrigues, 2009, pp. 322-343).
Após a missão trabalhar diuturnamente realizando visitas as instalações francêsas, e aos campos de batalha, dentre os quais Verdun, e com os oficias fazendo estágio nas escolas e academias militares, outros oficiais ficaram à disposição do Armée de terre, sendo autorizados a servir em qualquer ponto do front e designados para compor unidades do Exército Francês, inicialmente como observadores, mas posteriormente acabaram tomando parte nas ações e nos combates, inclusive assumindo comandos, ao longo de três meses, de setembro a novembro de 1918 quando se deu o armistício (Daróz, 2016).
OS OFICIAIS BRASILEIROS NAS OPERAÇÕES
DE GUERRA NA FRENTE OCIDENTAL EM 1918
A partir da discussão anteriormente apresentada sobre a constituição da Missão Militar Brasileira a França, foi possível identificar os caminhos percorridos por três oficiais brasileiros membros da organização, desde suas origens no Brasil até a linha de frente, e em grande medida o relato histórico de combate das unidades que serviram no Exército Francês, entre agosto e novembro de 1918, tal como veremos mais adiante, possibilitaram compreender a relação que tiveram com a vivencia no campo de batalha. Havia até então um grande hiato sobre a atuação desses oficiais no decorrer dos combates.
Pesam muito os relatos de operação que foram enviados por seus superiores franceses ao comandante da Comissão, o general Aché, e posteriormente ao tenente-coronel Leite de Castro, e que fortuitamente foram publicados nos jornais depois da guerra.
Sobre os jornais analisados, é importante ressalta o posicionamento que tiveram na época da guerra. No início do conflito o Correio da Manhã, mantinha uma posição de neutralidade, mas segundo: “Apesar da pretendida isenção, o Correio da Manhã põe nas ruas no dia 20 de abril [1915] uma edição cuja primeira página é bastante simpática ao lado alemão” (Garambone, 2007, p. 70), contrapondo os jornais brasileiros que apoiavam os aliados. A posição do jornal só mudou depois que o Brasil declarou guerra ao lado dos aliados.
A Noite pertencia a Irineu Marinho era crítico e severo, já nascera combatendo o governo do presidente Hermes da Fonseca em 1910 (Carvalho, 2012, p. 12). Se distinguiria como órgão de oposição, mas ao iniciar a guerra A Noite, procurou em suas colunas demonstrar seu apoio aos aliados, exaltou a declaração de guerra do Brasil a Alemanha.
O Paiz sempre deu apoio aos governos da situação, o que garantiu sua prosperidade até 1915. Nesse mesmo ano a aproximação entre governo e jornal não impediu que O Paiz declarasse “quase falência”. Mas o apoio irrestrito ao governo havia garantido fundos para o crescimento do jornal (Barbosa, 2007, pp. 40-41). O jornal apoiou plenamente a causa brasileira na guerra.
Com a narrativa histórica das unidades do Exército Francês e o relato dos jornais, foi possível construir um mosaico do percurso de suas jornadas no campo de batalha. A incorporação dos oficiais a unidades do Exército Francês, em combate ocorrido no dia 2 de setembro de 1918, foi objeto de amplo destaque nas notícias dos jornais, tal como ocorreu no Jornal Correio da Manhã, em edição do dia 3 daquele mês.
Os oficiais da missão Ache são incorporados: a regimentos franceses –Os oficiais do Exército que fazem parte da missão militar chefiada pelo general Napoleão Felippe Aché, já foram ontem incorporados a regimentos franceses que operam na linha de frente, onde servirão arregimentados, [...] tendo sido distribuídos pelo; coronel José Fernandes Leite de Castro, que os acompanhou as linhas de combate.8
O Jornal O Paiz em edição do mesmo dia 3 de setembro, por meio de uma nota intitulada: Nossa cooperação na Guerra, informou sobre a incorporação dos oficiais brasileiros nas unidades do Exército francês, a mensagem telegráfica do dia 1º destacou ainda a condecoração de um dos oficiais.
A nossa cooperação na guerra; O Sr. Ministro da Guerra recebeu do general Napoleão Ache, chefe da missão militar brasileira na Europa, –o seguinte despacho telegráfico: “Com grande prazer comunico a V. Ex. que o governo francês permitiu que oficiais da missão sirvam no exército francês. Amanhã, os nossos oficiais, com o tenente-coronel Leite de Castro, partirão para o ‘front’, destacados em diversos regimentos. Os nossos médicos estão no ‘front’ já há alguns dias, prestando serviços na grande ofensiva. O capitão Dr. Ferreira foi condecorado ontem com a medalha militar, no campo de batalha, com soberba citação. Aceitai felicitações”.9
Do grupo de oficiais que compôs a Missão Militar Brasileira, em 1918, além do capitão Ferreira, que havia sido condecorado por bravura, três se destacaram bastante; são eles o major Tertuliano Potiguara, o tenente José Pessoa, e o tenente Cristóvão Barcellos. A maioria das ações em que tomaram parte se deu no decorrer da “Ofensiva dos Cem Dias” entre 8 de agosto a 11 de novembro de 1918.
Tertuliano de Albuquerque Potiguara, nasceu em 27 de abril de 1873 na cidade de Sobral no Ceará. Sua formação se deu em Fortaleza, na antiga Escola Militar do Ceará, tornou-se alferes em 1894, sendo promovido a 1º tenente em 1907, e recebendo a patente de capitão em abril de 1909. Chegou major à França sendo alocado junto ao 30e bataillon de chasseurs alpins (30º Batalhão de Caçadores Alpinos) uma unidade de Infantaria que fazia parte da 47e division d’infanterie (47ª Divisão de Infantaria) grande unidade orgânica que fazia parte do 1º Exército Francês (Les Armées Françaises Dans La Grande Guerre, 1924). Potiguara tomaria parte nas ações, no decorrer da batalha do Canal de Saint-Quentin, durante a Ofensiva Meuse-Argonne no conjunto de operações que se destinava a desalojar os alemães da linha Hindenburg. A batalha iniciou em 29 de setembro de 1918, e envolveu forças do 4º Exército Britânico, e parte do 3º Exército Britânico que estava localizado mais ao Norte.
Ao Sul do 4º Exército Britânico, a 19 Km da frente, estava o 1º Exército Francês, cuja missão era lançar um ataque coordenado em uma frente de 9.5 km, com o objetivo de romper um dos trechos mais fortemente defendidos dos alemães, a Siegfriedstellung [linha Hindenburg] (Montgomery, 1919, pp. 151-152), que, no setor ao Sul dos ingleses, utilizava o Canal Saint-Quentin como parte de suas defesas.
O 1º Exército Francês dispunha na linha de frente da 47ª Divisão de Infantaria e um de seus batalhões era o 30º Batalhão de Caçadores Alpinos, tropa em que o major Tertuliano Potiguara estava agregado. Nas ações em Saint-Quentin, a 47º Divisão de Infantaria agregada ao 1º Exército Francês entrou em combate entre os dias 26 de julho e 11 de novembro de 1918, com os batalhões de caçadores alpinos dos quais se encontrava o 30º Batalhão.
Bem antes da batalha de Saint-Quentin entre 13 a 26 de agosto, a 47ª divisão realizou operações na área de Roye com a captura de Goyencourt e um combate na floresta de Braquemont. De 28 de agosto e 4 de setembro, a divisão iniciou uma “retirada da frente; a tropa seguiu para descanso em Villers-lès-Roye e Goyencourt”. A partir de 31 de agosto, seguiram para ocupação de uma área no Canal du Nord e a Leste de Nesle (Les Armées Françaises Dans La Grande Guerre, 1924, p. 383).
É muito possível que o major Tertuliano tenha sido engajado nesse momento, alguns dias antes da batalha entre “4 e 28 de setembro a divisão foi transportada de caminhão para Conty; para repor-se das perdas”. Entre 27 de setembro e 10 de outubro, a divisão foi sendo transportada de trem até a região de Nesle, em direção à ofensiva, a partir de 30 de setembro, uma parte da força já estava comprometida com os combates em Saint-Quentin, lançando ataques ao túnel de Tronquoy, em ligação com o Exército Britânico (Les Armées Françaises Dans La Grande Guerre, 1924, p. 383).
De acordo com as memórias do 30º batalhão (Chagnoux, 1923, p. 100), os soldados depararam com uma tremenda defesa armada pelos alemães, que custaria a vida de muitos soldados franceses e vários feridos. Consta que: ao chegarem no entorno do canal no dia 29 a partir do bosque de Holon, Saint-Quentin aparecia, como uma cidade martirizada, nas mãos do inimigo. No dia 30 o batalhão começou a deslizar pelas primeiras linhas inglesas, e segundo um cronista
[...] em uma noite escura de chuva e chegamos às ruínas do Tronquoy; os ingleses forçaram a passagem do Canal du Nord para o túnel, vamos intervir pelo buraco que eles fizeram. Grandes cadeias de arame farpado, muitas vezes triplicadas, gopeada por metralhadoras em casamatas de concreto; trincheiras profundas e numerosas, solo saturado com gás mostarda; a tarefa será difícil (Chagnoux, 1923, p. 100).
Do dia 1º a 2 de outubro, a tropa inteira se preparou para entrar em combate, já no dia 1º foram trocadas as primeiras escaramuças, inclusive com intenso bombardeio alemão com gás mostarda. Nesse combate, o major Tertuliano Potiguara se feriu, e àquela altura, já havia vivenciado muito das agruras da linha de frente.
Em 2 de outubro, o batalhão atacou ao amanhecer; a companhia Demeron estava na liderança. [...] foi parada na estrada de Levergies em Lesdins por violentos disparos de metralhadoras vindos do Bosque du Cuistot, a 700 ou 800 metros de distância. [...]; as metralhadoras [...] foram enviadas para lá, atiravam com ânimo [contra o] Bosque du Cuistot. [...] a fumaça das bombas de gás colavam no chão e cobriam o fundo com uma névoa opaca. [...] Por volta das 11 horas da manhã, foi lançado um contra-ataque muito poderoso; vimos ondas de assalto inimigas a mais de três quilômetros de Sequehart. Nossas companhias sofreram sérias perdas, mas aguentaram-se bem e derrubaram muitos alemães [...] O batalhão foi liberado durante a noite e ficando em reserva perto do túnel (Chagnoux, 1923, pp. 100-102).
A violência do combate foi muito grande, levando o 30º Batalhão de Caçadores à muitas perdas. Nos dias seguintes após ser ferido, o seu batalhão permanecia na frente de batalha com duras baixas. Apesar da dificuldade, houve progressão dos franceses em apoio aos ingleses que conduziam a ofensiva principal. O 1º Exército Francês continuou avançando nos arredores de Saint-Quentin, e, em 5 de outubro, os aliados atravessaram toda a extensão das defesas da linha Hindenburg em uma frente de 31 km (Hanotaux, 1924, p. 123).
O major Potiguara, em decorrência do seu desempenho durante a ofensiva na linha Hindenburg, além da sua promoção a tenente coronel, fora igualmente condecorado pelo Exército Francês, por causa de atos heroicos, durante a Batalha do Canal de Saint-Quentin.
Grande Q. G. dos exércitos do norte e do nordeste – Secção do pessoal (condecorações) –Ordem n. 11.108. Em execução das disposições do aditamento n. 7.374 M. de 1º de maio de 1918, da instrução de 13 de maio de 1915, “o general comandante em chefe cita na ordem do exército”: O sr. Tertuliano Potyguara, major do exército brasileiro, [...]– oficial muito enérgico e distinto, que pediu para servir num corpo de elite. Fazendo voluntariamente parte de um batalhão de ataque, “foi ferido” no dia 1º de outubro de 1918, diante de Saint-Quentin. De ordem do general comandante cm chefe –Danvin, chefe do estado-maior.10
Segundo consta em suas reminiscências, Tertuliano Potiguara afirmou ter servido junto ao 47e Batalion de Chasseurs Alpins (47º Batalhão de Caçadores Alpinos). Mas as fontes oficiais indicam que ele teria servido mesmo no 30º Batalhão de Caçadores Alpinos. O 47º Batalhão Caçadores Alpinos somente entrou em combate em Saint-Quentin no dia 3 de outubro, portanto, após ser atingido. É muito provável que o major Tertuliano Potiguara estivesse se referindo à 47ª Divisão de infantaria, que era a grande unidade orgânica do qual o 30º Batalhão de Caçadores Alpinos fazia parte (Potiguara, 1926, p. 7).
Por outro lado, para Chagnoux (1923), no 1º dia da batalha, o 30º batalhão de Caçadores Alpinos, encontrava-se inteiro em ação em Saint-Quentin, pois haviam “embarcado na ferrovia em Conti em 27 de setembro”. Quando “o batalhão desembarcou em Nesle”, chegando no dia 29, para assumir suas posições no flanco do Exército Inglês, para, segundo a narrativa de um de seus combatentes, se “enterrar nas ruínas miseráveis [...] na área que os alemães devastaram tão violentamente no ano passado [1917]” (p. 132).
Dos dias 10 a 17 de outubro, a divisão foi retirada da frente a fim de ser colocada em descanso, Tertuliano não mais estava em combate, o general Aché tratou de informar ao Ministro da Guerra, no dia 9 daquele mês de outubro, que o major Tertuliano estava bem, apesar do ferimento que havia recebido.11 Potiguara esteve em uma linha avançada, tomando parte do início de uma das maiores batalhas da fase final da Grande Guerra, Saint-Quentin.
José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque nasceu na cidade de Cabaceiras na Paraíba, em 12 de setembro de 1885, vinha de uma família de políticos, seu irmão, João Pessoa, exerceu a Presidência da Paraíba entre 1928 e 1930, quando candidatou-se à vice-Presidência da República pela Aliança Liberal em 1930. Era também sobrinho de Epitácio Pessoa (Pechman, 2015b, pp. 120). Pessoa se tornou praça em 1903 no 29° Batalhão de Infantaria em Recife, seguindo então para a Escola Preparatória e de Tática, em Realengo, no Rio de Janeiro.
Em 1909, foi para a Escola Militar de Porto Alegre, saindo aspirante-a-oficial e promovido em 1913 a 2° tenente e a 1° tenente, no ano de 1918, quando seguiu para a França com a Missão Militar Brasileira à França em 1918 (Pechman, 2015b, p. 120).
Pessoa realizou um estágio de dois meses na Escola Militar de Saint-Cyr, seguindo direto para a frente de combate, era oficial de Cavalaria; durante a campanha, ficou alocado junto ao 4e Régiment de Dragons (4º Regimento de Dragões) da 2e Division de Cavalerie (2ª Divisão de Cavalaria), unidade que fazia parte do 2º Exército Francês. Esta unidade estava passando por reformulações, adotando um novo equipamento, o tanque FT-7, em substituição aos Tanques Schneider CA1 e Saint-Chamond, considerados pesados.
Pessoa teve grande destaque, sendo inicialmente confiado a ele o comando do 7º Pelotão do 1º Esquadrão e posteriormente o 1º Pelotão do mesmo esquadrão. Segundo Hiran Câmara (1985), a unidade que comandou era composta de forças coloniais, eram “extremamente agressivos”. Pessoa “ficou muito marcado pela impressão causada por esses soldados rústicos, verdadeiras máquinas combatentes” (pp. 27-41).
Para Câmara (1985), a impresão causada pelos soldados a ele foi tão grande, que eram “capazes de, [...] levá-lo a atos de bravura que sem eles não seria possível realizar. Nesse momento, havia orgulho em seus olhos. Outras vezes, havia horror” (pp. 27-41). Certa vez, após tomarem uma posição dos alemães, eles ofertaram como gratidão e admiração “um fio do qual pendiam, como em um colar, as orelhas cortadas das cabeças dos inimigos que haviam acabado de vencer, em encarniçada luta corpo a corpo” (McCann, 2009, p. 438).
Hiran Câmara (1985), como biográfo, observou que, possivelmente, “aquele jovem tenente, tão impressionado com o polimento social dos oficiais franceses e com um profissionalismo guerreiro quase romântico [...] cheio de regras elegantes e éticas, que, em presença do insólito presente” (pp. 27-41), tenha causado o horror de que falou, mas foi durante essas operações com esses combates que tomou contato com os carros de assalto Renaut FT-7.12 A partir dessa experiência Pessoa ficou com o encargo de adquirir doze tanques que seriam a base da 1ª unidade de tanques do Exército Brasileiro.13
Os relatos sobre as suas operações na França foram legados por ele em suas memórias intituladas Diário de Minha Vida.14 Para Louro (2008), seus relatos carecem de precisão ao que se refere a datação, sendo dificil dizer quando ele entrou em combate.
Pessoa foi engajado junto ao 4º Regimento provavelmente no início de setembro de 1918, e, como Leite de Castro, ele também esteve sob o comando do general Mangin. Um cronista do 4º Regimento registrou a marcha da tropa, um pouco antes da chegada de Pessoa na narrativa é possível identificar tanto a etnia dos soldados que ele comandaria (marroquinos) quanto a utilização de blindados no campo de batalha (Martial, 1920).
Em sua marcha, o 4º Regimento seguiu em direção à Floresta de Compiègne, para a concentração de forças que entrariam em combate no Marne em 1918. “Todo o Corpo de Cavalaria está na região”. Naqueles dias, duas unidades entraram em combate contra os alemães, houve um “ataque americano e francês da Divisão de Infantaria Marroquina, que foi lançado esta manhã à nossa frente, e foi bem-sucedido” (Martial, 1920, p. 33).
O Exército Francês passava por um processo de adaptação com a utilização de tanques, naquela batalha o Regimento pela primeira vez os empregava, “felizmente, os tanques cooperaram no ataque, e é a primeira vez que nos é permitido vê-los tão de perto” (Martial, 1920, p. 34). A arma impressionaria ao tenente Jose Pessoa, que abraçou a empreitada de introduzir a arma no Brasil, o seu estágio inclusive seria completado com a passagem pela Escola de Artilharia de Assalto em Crey e pelo 503e Régiment d’artillerie d’Assaut.
Em 27 de agosto, o 4ª Regimento seguiu então para apoiar as ações em torno do Canal du Nord, mas a grande ação viria em 18 de setembro, o Regimento marchou para o Norte, “até a Bélgica na região de Herzelle. A missão da cavalaria foi acompanhar o ataque belga que começa em 29 de setembro e aproveitar uma brecha na frente para chegar a La Lys” (Martial, 1920, p. 34). Nesse tempo é possível que José Pessoa tivesse sido engajado.
As tropas belgas seriam apoiadas por divisões inglesas e francesas, sob o comando do rei Albert I, tiveram sucesso desde o primeiro dia, a Leste de Ypres. A chuva era muito intensa e o progresso muito difícil. Em 3 de outubro o Regimento ocupou a área de Kaines-Hoffland até o dia 14 de outubro (Martial, 1920, p. 35). Ao chegar a La Lys, a missão do Regimento era operar em estreita ligação com a infantaria, fornecendo reconhecimento a esta. Por três meses, com ataques repetidos, os aliados não pararam de empurrar os alemães.
De acordo com o cronista do Regimento, “em 10 de novembro, o Regimento parte para Landelede. É nesta pequena Vila de Flanders, no meio da noite, que soubemos que os ‘Boches’ acabaram de admitir sua derrota assinando o Armistício” (Martial, 1920, p. 35). O coronel de Fournas, comandante do 4º Regimento de Dragões do Exército Francês, afirmou que durante as ações o tenente José Pessoa, havia se distinguido muito:
Ordem do Regimento n. 49 –O tenente-coronel De Fournas, comandante do 4° Regimento de dragões, cita na ordem do Regimento o 1° tenente Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, da cavalaria do Exército brasileiro, destacado no 4º Regimento de dragões, pelo motivo seguinte: Oficial estrangeiro, tendo pedido para servir no exército francês, assumiu o comando de um pelotão, que ele mesmo conduziu em condições especialmente delicadas e perigosas. Sempre se distinguiu por sua bravura e espírito de resolução. Solicitou para reconhecer, sob um fogo dos mais violentos, as primeiras linhas de infantaria. –(Assignado) –De Fournas.15
José Pessoa gozava de grande prestígio com seus comandantes, o capitão Marchal afirma que liderava o seu esquadrão, ajuizou que ele “conduziu seu pelotão de maneira notável em todas as operações de guerra (ofensiva franco-belga de setembro, outubro e novembro de 1918)” (Câmara, 2012, p. 45). Os oficiais de operação do Grand Quartier (Estado-maior do Exército Francês) elogiaram a sua capacidade e habilidade em comandar:
Deixou no 4º de Dragões o conceito de um dos mais distintos oficiais e de um belo camarada. Muito instruído, apaixonado pela profissão, aproveitou todas as oportunidades para aperfeiçoar os seus conhecimentos [...]. Ousado e brilhante sob o fogo, o Tenente José Pessôa, que fez com o Regimento toda a campanha de Flandres, em 1918, ofereceu-se várias vezes para realizar missões perigosas. Incontestavelmente, tirou o maior proveito possível do seu estágio (Câmara, 2012, p. 45).
O general de Lassant, que comandou a 2ª Divisão de Cavalaria, externou que José Pessoa era um “oficial ardente e trabalhador, que exerceu durante alguns meses o comando de seu posto no Exército Francês em operações. Perseguiu o inimigo com o 4º de Dragões até o [rio] Escau”. E que, o tenente era um “excelente oficial” (Câmara, 2012, p. 45).
Segundo João Louro, seu contato no combate pesado da região dos Flandres, em 1918, teria sido considerado momento de eterna memoria, “tanto de bons como de maus momentos passados na linha de frente” (Albuquerque, 1953 citado em Louro, 2008).
Depois de La Lys e o armistício, Pessoa adoeceu de tifo, após se recuperar, retornou para a ação e, em 1919, ficou responsável pela tarefa de adquirir os primeiros tanques que fariam parte do Exército Brasileiro. Durante essa missão, enfrentou várias dificuldades, entre elas a tentativa de venda pelos franceses de tanques velhos; sobre isso escreveu ao coronel José Fernando Leite de Castro, chefe da Missão Militar Brasileira em Paris. Na carta, teceu algumas considerações sobre o funcionamento e os defeitos do armamento.16
Cristóvão de Castro Barcellos, foi outro oficial com grande desempenho, nascido na cidade de Campos, ao Norte do Estado do Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1883, ingressou na Escola Militar no Rio de Janeiro em 1901, foi declarado aspirante a oficial em 1909, havia traçado uma carreira bastante promissora como oficial de Cavalaria, sendo promovido a 2º tenente em 1911. Era 1º tenente desde outubro de 1917, quando foi chamado para se tornar membro da Missão Aché, chegando à França por volta de janeiro de 1918 (Lemos, 2015).
Cristóvão Barcellos tomou parte das operações no front com os aliados, sendo alocado com uma unidade de Cavalaria, o 17e régiment de dragons (17º Regimento de Dragões), onde comandou um pelotão da unidade. O Regimento fazia parte da 14e brigade de dragons (14ª Brigada de Dragões) da 6e division de cavalerie (6ª Divisão de Cavalaria) força agregada ao 7º Corpo de Exército Francês (Les Armées Françaises Dans La Grande Guerre, 1924).
Barcellos fora agregado à tropa em princípios de setembro, pois, nos registros históricos do Regimento, naquele momento, a força acabava de se recompor após “alguns dias de descanso”, que, segundo um cronista do Regimento, eram “suficientes para repensar o corpo, e o moral” (Volet, 1920, p. 22).
Nessas memorias, o 17º Regimento de Dragões se preparou então para as ações que se seguiram “no dia 18 de setembro, a 6ª Divisão está pronta novamente, cavalgaram até a região de Cassel-Steenwoord para participar da ofensiva belga, sob as ordens de Sua Majestade, o Rei dos Belgas” (Volet, 1920, p. 22). No decorrer da ofensiva, as tropas alemãs começaram a se retirar da Bélgica e o 17º Regimento prontamente iria persegui-los.
Ao adentrarem pela Bélgica, sofreram um ataque aéreo em que, segundo o cronista “[...], o 1º Esquadrão, [...] foi dizimado. Em poucos minutos, três bombas mataram dez homens e 37 cavalos, feriram 11 cavaleiros e 40 cavalos” (Volet, 1920, p. 22).
No entanto, o Regimento prosseguiu, avançando por “um país perturbado”. Barcellos permaneceu na França, mesmo depois da assinatura do armistício e, ao contrário de José Pessoa, somente foi cursar a Academia Militar de Saint-Cyr, após o fim das ações, ficando na França até junho de 1919, quando finalmente voltou ao Brasil (Lemos, 2015).
Da mesma forma que seus colegas, Barcellos se destacou muito, e nos meses seguintes ao fim da guerra, quando ainda estava na França, foi promovido ao posto de capitão, em decorrência de seus atos de bravura em combate durante a campanha na Bélgica (Lemos, 2015). Também foi homenageado pelo governo francês, sendo condecorado por suas ações à frente de combate, de acordo com a Ordem da Brigada núm. 53, emitida pelo general Magnin, comandante da 19ª Brigada de Dragões, que “cita na ordem da brigada: o tenente Cristóvão de Castro Barcellos, do 17º de dragões. Oficial tão brilhante quanto modesto, de um alto valor moral”. Segundo o general Magnin, além de brilhante e modesto, Barcellos era calmo e teria enfrentado fogo direto da artilharia alemã, além de que havia conseguido aprovação das tropas que estavam sob seu comando.
Doente, recebeu ordem para se retirar, quando já tinha atingido o limite das suas forças. De regresso ao “front”, não hesitou em atravessar uma zona, especialmente submetida ao fogo da artilharia pesada inimiga, para ir encorajar com sua presença um dos seus postos constantemente bombardeado. Em ligação nos últimos dias de outubro de 1918 com a infantaria combatente, mereceu, devido à sua calma, a viva aprovação das tropas em campanha, [...] (Assignado) –O general Magnin, comandante da 19a B. D.17
Barcellos tal como Pessoa estavam no comando de unidades do Exército Francês em combate, no Brasil não se tinha uma ideia clara das atividades que estavam desenvolvendo, até chegar a notícia de que o major Tertuliano Potiguara havia sido ferido em ação. À época, a ideia de que oficiais brasileiros estavam comandando unidades do Exército Francês causou surpresa, e acabou sendo objeto de debate na Câmara dos Deputados, o Jornal o Paiz, do dia 13 de outubro de 1918, divulgou a fala do deputado Abel Chermont, do Estado do Pará, sobre a atuação dos oficiais brasileiros no comando de unidades francesas.
[...] Falando sobre os nossos problemas militares, na Câmara, o Sr. Abel Chermont, representante do Pará, afirmou que alguns dos oficiais dá missão Aché, que se acha na França, [...] de patente mais elevada comandam hoje soldados franceses e comandam mesmo oficiais franceses. Esta afirmação, que muito nos desvaneceria, se verdadeira, é completamente desconhecida nos meios militares; sabe-se lá que os nossos oficiais estão servindo nos regimentos franceses, mas ignora-se completamente que eles estejam investidos de funções de comando, porque nunca os exércitos europeus consentiram.18
Em meados de outubro de 1918, o Jornal A Noite publicou um telegrama do próprio general Aché, datado do dia 9 de outubro de 1918, informando ao Ministro da Guerra, sobre a evolução da situação dos oficiais brasileiros na linha de frente, “Toda a missão Aché no front. O Sr. Ministro da Guerra recebeu hoje, datado de 9, o seguinte telegrama do general Ache: [...] Leite de Castro se anexou a campanha do oitavo Regimento de artilharia pesada. Aqueles cavaleiros [Pessoa e Barcellos] se uniram a um Regimento da divisão de cavalaria. Oficiais de infantaria ligados a batalhões de caçadores. Médicos de ambulância e maca. Tudo na frente.”19
O desempenho demonstrado pelos combatentes brasileiros se revelou muito mais do que promissor, pois possibilitou que o governo brasileiro decidisse efetivamente pela escolha do Exército Francês para compor uma futura missão militar de adestramento do Exército Brasileiro. Sobre isso, Rodrigues (2009) observa que “os membros da Comissão de Estudos de Operações e Aquisição de Material na França, contribuíram para um melhor julgamento e análise que instruíram o processo de contratação da Missão Militar Francesa, a qual influenciou decisivamente e de forma marcante o Exército Brasileiro” (p. 334).
A Missão Militar Brasileira à França seria acrescida ainda de uma série de compras de material bélico, encargo que, em grande medida foi incumbência de José Pessoa. Coube a ele verificar, em decorrência de seus estudos sobre a ultilização de tanques no campo de batalha, a viabilidade de criação da nova arma blindada para o Exército Brasileiro.
CONCLUSÃO
Este estudo procurou compreender como se deu a organização de uma comissão militar do Exército Brasileiro que foi enviada a França no início de 1918 durante a primeira guerra mundial, cujo objetivo era fazer uma ampla observação do campo de batalha, e tomar contato com as mais novas armas utilizadas pelo Exército Francês na linha de frente, a mesma foi denominada de “Missão Militar Brasileira à França”.
O estudo permitiu, ainda, evidenciar sobre como se deu a dinâmica de construção do conflito, que no início era apenas uma questão distante e radicalmente estrangeira, mas que acabou se tornando também uma questão brasileira.
Sobre essa perspectiva, foi possível verificar que havia uma preocupação inicial dos intelectuais brasileiros com os assuntos da guerra, sendo está uma das primeiras formas de manifestação dos efeitos do conflito no Brasil, levando-os praticamente a abraçar a causa francesa, em grande medida por causa dos forte laços culturais com a França.
Além disso, a pesquisa sinalizou que as ações diplomáticas entre os dois países foram fortalecidas ao ponto de que se tornou praticamente inevitável a tomada de posicionamento do governo brasileiro no decorrer da guerra a favor da França.
O estudo observou sobre como se deu as profundas modificações resultantes dessa aproximação e como se deu a participação do país no conflito, quais foram as alternativas para além da participação da Marinha do Brasil, que havia ajudado a patrulhar parte da costa da África, entre as quais um projeto visando a participação do Exército.
Foi possível verificar que a criação de uma missão militar era uma alternativa viável e que esteve profundamente ligado a interesses econômicos e políticos dos países envolvidos. Também se observou que havia um debate sobre essa questão anterior à declaração de guerra a Alemanha, e que partia dos militares que haviam realizado estágio militar junto ao Exército Alemão antes do conflito. Como acreditavam integralmente na doutrina germânica, eram mais propensos para a contratação de uma missão alemã.
Assim, com a guerra declarada contra a Alemanha, e com o envio da “Missão Brasileira a França” restaria a essa pequena representação travar o contato com a experiencia dos campos de batalha ao longo de três meses na França, sob a ótica dos oficiais que interagiram com o Exército Francês ao longo da ofensiva dos cem dias em 1918.
Neste estudo podemos verificar que guerra transformou as vidas dos membros da comissão, que com suas vivenciais puderam experimentar uma aprendizagem que modificaria para sempre as suas trajetórias profissionais, causando uma mutação que impactou diretamente sobre a realidade da instituição do qual faziam parte.
A atuação dos oficiais não se deu somente a partir do simbólico e ao relacionamento de amizade e companheirismo construído no front, mas também a partir de práticas no campo de batalha que foram complementadas pelos estágios nas academias militares francesas, pois permitiram o desenvolvimento de novas especialidades, tão novas no exército que representaria um diferencial que marcaria por muitos anos a doutrina militar brasileira.
A participação do Exército Brasileiro como um todo, foi discreta, porém relevante, pois integrantes das principais armas do exército, infantaria, cavalaria e artilharia que combateram o Império alemão junto do Exército Francês tiveram a possibilidade de vivenciar um ciclo completo de aprendizagem que refletiria no futuro da arma terrestre, a aquisição do armamento também remodelaria a feição desse exército.
Os três oficiais que foram estudados aqui desempenharam seus papéis como típicos militares sobretudo ao que se refere a construção de um caminho profissional no Exército. Tertuliano Potiguara, José Pessoa e Cristóvão Barcellos, tal como os demais, tomaram parte em combates bem pesados, em torno das posições alemães na França e na Bélgica, e vivenciaram, de alguma forma, os horrores da Grande Guerra.
A Missão Brasileira a França, também teve a premissa básica de manter aberta a possibilidade de garantir que no futuro uma missão militar fosse contratada pelo governo brasileiro, viabilizando assim a difusão ainda maior da doutrina francesa, ou seja, forjaria e selaria o aprimoramento militar do Exército Brasileiro com o Exército Francês.
Assim, em 8 de setembro de 1919, foi assinado um contrato para a introdução de uma grande missão militar francesa, que ficou encarregada especificamente da gestão das principais escolas militares do Brasil.20 E da adaptação e introdução dos métodos e do equipamento militar francês, que com o estágio dos oficiais brasileiros já havia permitido, por exemplo, a aquisição e introdução dos tanques Renault FT-7. A experiência da guerra serviu ao Brasil para implementar um novo aprendizado e novos armamentos que ajudaram na formação do Exército Brasileiro.
Porém, apesar das diversas ações, realizações, do impacto e dos seus desdobramentos no pós-guerra, ainda existe um grande desconhecimento sobre a “Missão Militar Brasileira a França” e sobre a atuação de seus membros nos campos de batalha, que continuaram incógnitos na memória do país.
Portanto, é possível afirmar que, entre vivências, traumas e a violência dos combates, há uma memória legada pelos membros da Comissão que ainda precisava ser aprofundada, este artigo procurou, de certa forma dar viabilidade a isso, as bases foram colocadas, para que a memória destes não entre no limbo do esquecimento e no monturo do tempo.
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OUTRAS FONTES
Arquivos
cpd-fgv Centro de Pesquisa e Documentação-Fundação Getúlio Vargas, Brasil.
Jornais
A Noite, 1918.
Correio da Manhã, 1917, 1918, 1919.
O Paiz, 1918.
1 Sobre a expressão “A guerra que iria acabar com todas as guerras”, a frase surgiu a partir do título do livro The war that will end war, escrito por H. G. Wells, resultado de uma série de artigos publicados por ele em jornais britânicos nas primeiras semanas da guerra. Cf. Wells (1914).
2 Sobre o impacto da guerra e suas consequenciais para o mundo, Cf. Eksteins (1991).
3 A historiografia a respeito do conflito é bastante extensa, sobre o assunto, Cf. Correia (2014). Sobre os desenlaces iniciais da Primeira Grande Guerra, Cf. Keegan (1978); Tuchman (1994).
4 A tese foi originalmente levantada por Valla (1976), “A entrada do Brasil na guerra era importante para os EUA em relação à sua crescente influência na América Latina” (pp. 43-44).
5 Coleção de Leis do Brasil, 26 de outubro de 1917, vol. 1, p. 169. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-3361-26-outubro-1917-776105-publicacaooriginal-139969-pl.html
6 Correio da Manhã, núm. 6828, 4 de novembro de 1917, p. 1.
7 Ministério das Relações Exteriores do governo da França. Desde 1855, sua sede está localizada no Quai d’Orsay, 37 (próximo à Assembleia Nacional da França). “Quai d’Orsay” é frequentemente usado como metônimo para o Ministério.
8 Correio da Manhã, núm. 7129, 3 de setembro de 1918, p. 1.
9 O Paiz, núm. 12381, 3 de setembro de 1918, p. 4.
10 Correio da Manhã, núm. 7258, 10 de janeiro de 1919, p. 4.
11 A Noite, núm. 2456, 15 de outubro de 1918, p. 1.
12 Pessoa ainda escreveria um livro sobre o emprego de tanques em combate. Cf. Albuquerque (1921).
13 Foram realizados sob sua supervisão algumas modificações que acabaram influenciando o desenvolvimento do projeto do tanque na própria França, cf. Souza (2014).
14 Trata-se de uma vasta reminicencia sobre seus serviços ao país, cf. Albuquerque, J. P. C. de. Diário de minha vida. Arquivo José Pessôa. Documentos: JPdv 1953.00.00, Microfilmagem: rolo 1, fot. 1 a 89. Centro de Pesquisa e Documentação-Fundação Getúlio Vargas (cpd-fgv), Brasil.
15 Correio da Manhã, núm. 7258, 10 de janeiro de 1919, p. 4.
16 Carta de José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque a José Fernando Leite de Castro, chefe da Missão Militar Brasileira em Paris, 5 de dezembro de 1919. Arquivo José Pessoa. Documentos: JPvp Microfilmagem: rolo 2, fot. 2 a 3. cpd-fgv, Brasil.
17 Correio da Manhã, núm. 7258, 10 de janeiro de 1919, p. 4.
18 O Paiz, núm. 12421, 13 de outubro de 1918, p. 5.
19 A Noite, núm. 2456, 15 de outubro de 1918, p. 1.
20 Escola de Estado-Maior do Exército, da Escola de Aperfeiçoamento, a Escola de Manejo, a Escola de Veterinária e a Escola de Aviação, ou seja, toda a instrução, exceto a Escola do Realengo, que formava oficiais de todas as armas.