10.18234/secuencia.v0i118.2140
Artículos
A Farroupilha na formação histórica do Rio Grande do Sul: O caso Moysés Vellinho (1945-1964)
Farroupilha in the historical formation of Rio Grande do Sul: The case of Moysés Vellinho (1945-1964)
Farroupilha en la formación histórica de Rio Grande do Sul: El caso de Moysés Vellinho (1945-1964)
Fabrício Antônio Antunes Soares1* https://orcid.org/0000-0002-6132-803X
1Universidade Estadual de Londrina/Programa de Pós-Graduação em História Social (uel/ppghs), Brasil fabricioantunessoares@gmail.com
Resumo:
O presente artigo examina como o capítulo “O Rio Grande e o Prata: Contrastes”, do livro Capitania d’El-Rei do historiador e político Moysés Vellinho, representa historiograficamente a Farroupilha. Para isso, examino, por um lado, como a fonte se articula com a historiografia da sua época e, por outro lado, como a fonte articula a historiografia e as questões políticas e de identidade. Para dar conta do objetivo, a metodologia utilizada para analisar a fonte é a operação historiográfica de Michel de Certeau. A hipótese que norteia o artigo diz respeito a nacionalização da história regional no período de 1940 a 1960. Por fim, constato que a fonte/obra analisada foi um objeto tanto de luta política como de uma escrita da história em que a Farroupilha é o ápice da brasilidade da identidade do sul-rio-grandense.
Palavras-chave: teoria da história; história da historiografia; história intelectual; história da literatura; narrativa literária.
Abstract:
This article examines how the “O Rio Grande e o Prata: Contrastes” chapter in Capitania d’El-Rei, by the historian and politician Moysés Vellinho, depicts Farroupilha historiographically. I explore how the source is linked to the historiography of its time on the one hand and how it links historiography to political and identity issues on the other, using Michel de Certeau’s historiographic operation. The hypothesis underlying the article is the nationalization of regional history during the period from 1940 to 1960. Finally, I observe that the source/work analyzed was the object of both a political struggle and a writing of history in which Farroupilha represented the pinnacle of Brazilian identity among Rio Grande do Sul inhabitants.
Keywords: theory of history; history of historiography; intellectual history; history of literature; literary narrative.
Resumen:
Este artículo examina cómo el capítulo “O Rio Grande e o Prata: Contrastes”, del libro Capitania d’El-Rei, del historiador y político Moysés Vellinho, representa historiográficamente a Farroupilha. Para ello, examino, por un lado, cómo la fuente se articula con la historiografía de su tiempo y, por otro, cómo la fuente articula la historiografía y las cuestiones políticas e identitarias. Para lograr el objetivo, la metodología utilizada para analizar la fuente es la operación historiográfica de Michel de Certeau. La hipótesis que guía el artículo se refiere a la nacionalización de la historia regional en el periodo de 1940 a 1960. Finalmente, observo que la fuente/obra analizada fue objeto tanto de lucha política como de una escritura de la historia en la que Farroupilha es el ápice de la identidad brasileña de los habitantes de Rio Grande do Sul.
Palabras clave: teoría de la historia; historia de la historiografía; historia intelectual; historia de la literatura; narrativa literaria.
Recibido:
8 de agosto de 2022 Aceptado: 21 de marzo de 2023
Publicado: 12 de diciembre de 2023
Introdução
Esse artigo analisa como o capítulo “O Rio Grande e o Prata: Contrastes” do livro Capitania d’El-Rei (publicado em 1964/artigo original de 1957), do historiador, crítico literário e político Moysés Vellinho (1902-1980) constrói em sua narrativa uma interpretação da história da Farroupilha. Assim, este artigo investigará as relações da obra de Vellinho tanto com a historiografia do seu período como as relações políticas e de identidade a partir da história regional.
Portanto, no período de produção e publicação da obra Capitania d’El-Rei, a historiografia dominante no Rio Grande do Sul era feita pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e, além disso, sua versão hegemônica era a origem lusitana do Estado e, por outro lado, compreendia-se o Estado sulino dentro dos marcos do Estado nacional brasileiro.
Assim, o artigo trabalha com a hipótese de que a obra Capitania d’El-Rei articula-se com a historiografia do seu período como, também, dialoga com as relações políticas e de identidade sulina em medos do século xx. Seguindo no desenvolvimento da hipótese, foi a partir da década de 1940, após o momento de comemoração e abrasileiramento da Farroupilha, na década de 1930 (Martins, 2015; Rodrigues, 2013; Soares, 2016) que surge outra estória sobre a Farroupilha: a formação do Rio Grande do Sul. A Farroupilha faria parte agora de um longo processo da formação histórica do Rio Grande do Sul e que tem seu desdobramento na historiografia e na literatura. Em ambos os períodos (comemoração e formação) há mesmo problema: o da integração da história regional nos marcos da história nacional (Rodrigues, 2006, p. 128).
Moysés Vellinho nasceu em Santa Maria em 1901, formou-se em direito e teve intensa participação na vida política do Rio Grande. Foi promotor, inspetor estadual de ensino e chefe de gabinete do Interior de Oswaldo Aranha (1928-1930). Participou ativamente da Revolução de 1930. Foi oficial de gabinete do Ministro da Justiça Oswaldo Aranha. Voltou a Porto Alegre em 1932, e elegeu-se deputado constituinte em 1934. Participou da dissidência liberal, em 1937, que levou à saída de Flores da Cunha1 do comando do Estado. De 1938 a 1945, foi membro do Departamento Administrativo do Estado. Dirigiu o jornal A Federação2 e foi ministro do Tribunal de Contas do Estado (1938-1964). Foi também vice-presidente do ihgrgs. Como os demais intelectuais da sua geração, fez parte do grupo da Livraria do Globo3. Após o Estado Novo4, fundou a revista Província de São Pedro, que dirigiu durante o período de 1945 a 1957.5
Vellinho participou do governo Vargas tendo vários cargos na burocracia estatal, mas, tornou-se um crítico do período pelo qual trabalhou tão intensamente. Também, como analisarei mais a frente, tem uma filosofia liberal subjacente à sua concepção da história, o que levou Vellinho, no período de escrita do texto aqui analisado, a ver a Farroupilha como um momento de releitura da Era Vargas.6
Para alcançar o objetivo aqui proposto, o artigo vale-se da operacionalidade analítica de entender a obra de Vellinho como uma operação historiográfica (Certeau, 2007, pp. 65-119), isto é, os procedimentos que Certeau expõe, para analisar a escrita da história, usarei para analisar a escrita da história no capítulo de Capitania: “O Rio Grande e o Prata: Contrastes”. Portanto, o caminho desta investigação é saber como tal capítulo, se articula com o lugar social, com a prática e a escrita, em outras palavras, como é possível perceber a “operação historiográfica” na escrita de Vellinho sobre a Farroupilha (Rodrigues, 2019; Soares, 2019). Assim sendo, ao examinar a obra Capitania, como uma operação historiográfica, significa analisá-la como a articulação entre a) um lugar social, b) práticas científicas e c) a escrita de um texto (Certeau, 2007, p. 66). Para compreender, portanto, a história das narrativas sobre a Farroupilha (Pesavento, 2009; Soares, 2019), parte-se do pressuposto de que qualquer narrativa histórica se encadeia com um(ns) lugar(es), um(as) prática(s) e escrita(s) e, também, suas determinações tanto sociais e culturais como políticas e econômicas. Isso acarreta uma forma de proceder na escrita da história limitada por condições inerentes ao lugar de sua produção. Esse é, então, um dos requisitos do desenvolvimento da operação historiográfica que fornece, por um lado, a solidez social à escrita da história, por outro lado, o lugar social, a prática e a escrita, a tornam possível e, assim, a escrita da história delineia-se “por uma relação da linguagem com o corpo (social) e, portanto, também pela sua relação com os limites que o corpo impõe” (Certeau, 2007, p. 76).
Portanto, para atingir o objetivo aqui proposto, dividiu-se o artigo em três partes. Na primeira parte avalia-se o lugar de produção intelectual de Moysés Vellinho, na segunda parte analisa-se a prática científica no capítulo “O Rio Grande e o Prata: Contrastes”,7 na última parte analisa-se a escrita do texto de Vellinho.
Lugar social: Contexto político e intelectual
O lugar social de um texto fornece os vestígios contextuais da produção da sua escrita, desse modo, para o lugar social auxiliar no desenvolvimento da hipótese cabe recapitular o tratamento intelectual dado à Farroupilha, assim sendo, Rodrigues (2013) entendeu que o ihgpsp8 (Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro) não propôs fazer ou divulgar nenhuma atividade sobre a Farroupilha, conquanto certo número de seus componentes o efetuasse de fora à instituição, sobretudo na esfera político-partidária. A historiadora observou que, no ihgb9 (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), a autoridade de Tristão Araripe10 sobre a Farroupilha estender-se-ia para depois de sua morte, ocorrida em 1908, pois, até 1921, não se observou ninguém que contradissesse a sua explicação mesmo após o surgimento de uma nova memória brasileira (republicana) após a proclamação da República. Esse novo período de silêncio no ihgb terminaria no começo da década de 1920, na ocasião em que a Farroupilha se converteria em elemento de comemoração – centenário da Farroupilha – e o meio de integração da história regional na nacional.
Com a fundação do ihgrgs em 1920, a comemoração atenderia a necessidade de afirmação de uma nova lógica entre as memórias regional e nacional que se estabeleciam como republicanas desde o fim do século xix. A partir 1930, a rearticulação da Farroupilha com a memória nacional exigia “mais do que no contexto das reivindicações federalistas do século xix, a sua inserção na tradição republicana nacional” (Rodrigues, 2013, p. 178). A consequência foi (Gutfreind, 1992, p. 180) a conexão da Farroupilha à memória histórica nacional como um movimento revolucionário, republicano, federalista, brasileiro e patriótico. A memória da Farroupilha era disputada em distintas versões, não apenas na esfera do ihgrgs, mas, também, nos jornais e nas comissões oficiais organizados para as comemorações do centenário, sobressaindo-se a tese do abrasileiramento da farroupilha.11
Os livros de Apolinário Porto Alegre,12 Assis Brasil,13 Alfredo Varella14 e Alcides Maya,15 no final do século xix e nos primeiros quinze anos do século xx, reconfiguraram, cada um à sua maneira, as conexões da Província com o centro, enfatizando a particularidade do Rio Grande do Sul e estabelecendo um discurso que evidenciava o Estado sulino “não mais voltado para o Brasil, mas para si mesmo, capaz de sobreviver, sem o concurso nacional, graças as suas potencialidades, a interesses econômico-financeiros específicos e à diversidade das demais Províncias” (Gutfreind, 1992, p. 17), contudo, apesar disso, a “Afirmação como a exposta acima não poderia ser aceita no contexto pós-20, marcadamente nacionalista” (Gutfreind, 1992, p. 19).
Portanto, com a hegemonia do ihgrgs, no plano da cultura historiográfica sulina, é importante destacar os pontos norteadores predominantes16 da escrita da história do Instituto para poder comparar com a escrita de Moysés Vellinho. Assim, podemos destacar dois pontos: 1) lusitanismo e 2) o marco do Estado-nacional (Gutfreind, 1992; Nedel, 2005; Martins, 2015; Rodrigues, 2006). O lusitanismo é referente a que a ocupação do território, a colonização, a vida política e cultural do Estado tem uma origem europeia, portuguesa e branca. O marco do Estado-nacional é relativo à integração do Rio Grande do Sul, desde sua origem, no corpo nacional brasileiro.
Também, alguns episódios desse tempo são significativos, por um lado, a instauração da Comissão Estadual do Folclore (1948) (Nedel, 2007a; 2011), da qual tomaram parte os mais importantes intelectuais regionais e a fundação do 35 ctg (1948) (Nedel, 2007b; 2011), que demarcava uma organização que quase absorveria todo o aspecto celebrador da identidade regional (Rodrigues, 2006, p. 100). Além disso, esse período de escrita apresentava como cenário o progressivo distanciamento dos intelectuais da militância política, em andamento desde a década de 1940, depois de seu intenso comprometimento na Revolução de 1930. Para Coradini (2003), entre 1930 e 1960, existiu um:
Relativo distanciamento dos “intelectuais” vinculados à Editora do Globo no que se refere à “política”, no sentido das lutas governamentais e, especificamente, do governo Vargas, passou a haver um esforço para redefinir o regionalismo. Não se trataria mais do regionalismo diretamente associado à mobilização política, inclusive porque esse aggiornamento decorre das divergências quanto aos rumos da Revolução de 1930, e também das novas condições de relacionamento dos “intelectuais” com o restante do Brasil (p. 135).
A partir do final dos anos de 1920 até meados de 1940, a Revolução de 30 e o Varguismo/Estado Novo exerceram sucessivamente um elemento de mobilização e decepção dos letrados no embate político (Martins, 2015). Na redemocratização, a partir de 1945, os intelectuais achavam-se comprometidos em notabilizar nacionalmente o Rio Grande do Sul, não mais no campo político, mas, na arena cultural (Rodrigues, 2006). Esse afastamento das atividades políticas práticas foi expressivo. Entretanto, isso não permite que se entenda como um procedimento de autonomização da esfera cultural em correspondência a distintos domínios sociais (Martins, 2015). Portanto, a Revolução de 30 e a Era Vargas poderiam ser avaliadas como um espectro sobre a consciência de historiadores e romancistas (Rodrigues, 2006, p. 25).
Terminado o Estado Novo em 1945, inicia-se a publicação da revista Província de São Pedro, fundada e dirigida por Moysés Vellinho. A data coincide com a atitude crítica do autor em relação ao regime autoritário de Vargas e o início de sua atuação mais vinculada ao campo da cultura (Rodrigues, 2006). Também, em 1949 dá-se o ingresso de Moysés Vellinho no ihgrgs, embora até essa data ele fora mais conhecido como crítico literário. Assim, ele exerceu no Instituto funções diretivas e propôs problemáticas, regras e critérios à historiografia local, como antes efetuara com a literatura (Martins, 2015; Rodrigues 2006).
E se os intelectuais não precisavam mais intervir nas lutas da política partidária para exercerem sua função social, havia outra obrigação à qual necessitariam estar comprometidos: a promoção da região e da nação (Nedel, 2007a, 2007b; Rodrigues, 2006). O comprometimento militante era relativo com a atmosfera pré-revolucionária de 1930 no Estado, contudo, depois do Estado Novo, o ambiente intelectual se pauta pela desilusão dos intelectuais sul-rio-grandenses com a direção da revolução de que tinham participado. Também, se a construção de uma identidade intelectual autônoma da atividade político-partidária se distinguia dos posicionamentos precedentes, o agenciamento da região prosseguia a ser uma das características definidoras desse papel social (Nedel, 2005, 2007b). Ademais, a mudança consistia em que a identidade regional não poderia mais estar ser unicamente vinculada à índole guerreira (Rodrigues, 2006), assim, foi imperativo conectar o tipo social urbano e intelectualizado na cadeia histórica da formação social e, também, o valor de uma identidade intelectual foi percebida para a construção de uma identidade aos sul-rio-grandenses a partir da década de 1940, em particular após o fim do Estado Novo (Nedel, 2007b).
A partir disso, Vellinho (2005) explica que a obrigação de escrever Capitania é para colaborar em romper o que, para ele, era uma representação imprópria das relações históricas e culturais entre o Estado e o país. Assim, a Farroupilha entra na obra de Vellinho (2005) não como o tema principal, mas, como um elemento mais importante do período da formação do Rio Grande do Sul (Rodrigues, 2006, p. 156). Por mais tardia que constituísse a iniciativa,17 era imprescindível, na década de 1960, produzir uma nova interpretação da formação do Rio Grande, tal como fora feita na década de 1930 com a Farroupilha.18 Conforme notou Rodrigues (2006, p. 154), Capitania d’El-Rei –publicado em 1964– foi um produto anacrônico da obsessão dos anos 1930 pelas “raízes nacionais”,19 logo, por um lado, era indispensável apagar qualquer semelhança entre o Rio Grande do Sul e o Prata e, por outro lado, mostrar que no nascedouro do Estado está o seu vínculo orgânico com o Brasil, isto é, emaranhar a história regional na nacional (Rodrigues, 2006, p. 157).
Por fim, outro elemento que o lugar social propicia a escrita de Vellinho (2005) é a releitura da experiência da Revolução 1930 e do varguismo após o fim do Estado Novo, assim, Vellinho relaciona Getúlio Vargas e Júlio de Castilhos, censurando as atitudes autoritárias tomadas por eles. A vida intelectual de Vellinho foi se apartando da militância partidária e indo na direção da política intelectual, na qual ele buscou tramar a história local –a parte– na nacional –o todo (Rodrigues, 2006, p. 220). Desse modo, a hipótese de nacionalização do regional a partir da história da formação histórica ganha corpo com o contexto político e social de Vellinho, ademais, a metodologia nos proporcionou a partir da análise dos lugares de produção da história emaranhar o vínculo entre hipótese e fonte.
Prática (I): Introduzindo a Capitania –o nacionalismo
A prática científica é o modo de o historiador(a) ou o(a) intelectual “ver” e “fazer” a historiografia, isto é, é o proceder do historiador até chegar a fase escrita. Para desenvolver a hipótese deste artigo, acredito que da prática do texto de Vellinho a análise de três conceitos (Koselleck, 2006, pp. 97-118; 2021, pp. 15-38) são o que mais permitirão elucidar o problema do artigo. Os três conceitos são: nacionalismo, fronteira e o par “Revolução de 1930/Getúlio Vargas”. Os dois primeiros são conceitos correntes na historiografia, o terceiro são dois nomes próprios que acabam sendo campos semânticos de condição de possibilidade do conhecimento histórico no texto de Vellinho. Começarei pelo conceito de nacionalismo
Na introdução do livro, Vellinho (2005) justifica o porquê de ter reunido os artigos para publicá-los em Capitania d’El Rei. Ele inicia contando uma história sobre o V Congresso Eucarístico, realizado em 1948, em Porto Alegre. Nele uma senhora, vindo da Bahia e que fora entrevistada por um jornal local, declarou que achava que encontraria no Rio Grande do Sul gente estranha, hábitos estranhos, mas, ela tivera uma surpresa ao encontrar-se entre um povo que era o seu povo, que no fundo tinha “o mesmo jeito de ser e de sentir dos demais brasileiros” (p. 7). Ela viera ao Rio Grande com certo medo, só depois dos primeiros contatos se livraria do temor que tinha. Isso representava para Vellinho (2005) “Pura obra de uma velha trama de incompreensões ou prevenções a que infelizmente nós, os de casa, nem sempre fomos ou somos alheios” (p. 7), e recapitula, anos depois, que Alfredo Varella (1915), no interesse de demonstrar, em sua “ingrata teoria”, a pretensa filiação da Farroupilha à cadeia das Revoluções Cisplatinas do século xix e não satisfeito em desnacionalizar aquele movimento tão brasileiro, encontrava precauções contra as coisas do Brasil (Vellinho, 2005, p. 8).
De acordo com Vellinho (2005, p. 9), são falsos restos de um tempo que, a rigor, só houve como projeção retrospectiva daquele imaginário, porque o Rio Grande do Sul era orgânico ao Brasil e não um acaso na história brasileira. Em livro, periódicos ou “conversando com patrícios” há uma imagem de que o “Rio Grande do Sul não é bem Brasil” (p. 9). Parece que esse preconceito foi corroborado pela peculiaridade da Constituição positivista20 e pelas pressuposições de sua filosofia. O historiador rebate uma série de autores que destacariam a incompatibilidade do Rio Grande do Sul com o Brasil,21 pois cada região exibe seus predicados próprios, sem que daí emanem riscos para a consumação de um destino comum, porque a preservação da coesão territorial estaria em conexão com o desenvolvimento dos regionalismos.22 Ademais, com Vellinho (2005), nem mais o naturalismo da geografia (Assis Brasil, 1981), nem mais o substrato da psique ou da alma (Docca, 1935) que definiriam o Sul-rio-grandense brasileiro, mas a defesa da fronteira do Brasil meridional (Vellinho, 2005, p. 10).
A hipótese de nacionalização da história do Rio Grande do Sul ganha musculatura ao perceber-se o nacionalismo na escrita da história de Vellinho que, por um lado, se articula com o nacionalismo do ihgrgs e, por outro lado, é uma grade de leitura por qual Vellinho (2005) compreende a história, também, o ganho interpretativo para o artigo se vincula a metodologia que adverte para a análise da prática científica do historiador.
Prática (II): A fronteira
Diferentemente das gerações anteriores, que viam a particularidade do Rio Grande do Sul ou no meio geofísico, como Assis Brasil, ou na psique da alma, como Docca, Vellinho (2005) atribui a brasilidade dos rio-grandenses a um novo elemento: a fronteira.23 De acordo com Vellinho, foi antes como súditos de Portugal, “brasileiros in fieri”, e após a Independência como brasileiros mesmo que “arrostamos” com os reveses de um sangrento drama de fronteira: “A necessidade de defesa da comunidade nacional, ameaçada em suas divisas com as comarcas platinas mais que em qualquer outro ponto do nosso território, o que fez foi aguçar, dar um sentido urgente e militante à nossa consciência de brasileiros” (Vellinho, 2005, p. 11).
Portanto, o ciclo de disputas na fronteira seria como um legado vivo, de modo que seriam os brasileiros do extremo sul leais à sua herança guerreira e que se prendiam numa vigilante afirmação patriótica (Vellinho, 2005, p. 11). Após a incorporação e povoamento da Capitania, os espanhóis, para Vellinho, só ingressaram “aqui” como inimigos, nunca como senhores e eles nada deixaram. E, assim, em nome das franquias locais, preteridas pelos representantes da Regência, o Continente rebelou-se, era o começo do rude decênio farroupilha.
Foi sob o símbolo político que se originou a conquista da fronteira meridional do Brasil e isso “quer dizer que os fronteiros do Rio Grande estiveram desde logo enquadrados no amplo movimento de integração da nacionalidade” (Vellinho, 2005, p. 178). Disso resulta que “A essa altura já tinha o Rio Grande construído a sua legenda guerreira. E essa legenda que funde espiritualmente as gerações entre si e lhes dá a substância histórica que as vincula ao todo nacional” (Vellinho, 2005, p. 179).
Além da cooperação do Rio Grande na defesa da honra e integridade da nação, “nossas próprias revoluções sempre animadas por aquilo que se pode chamar consciência de integração nacional” (Vellinho, 2005, p. 181). Essa “vocação” para a integração é uma das heranças que se debita ao “gênio aglutinador do português”, de tal modo que essa constituição e uniformidade permaneceram vigentes ao “nosso campeador”, que na imagem do gaúcho concentrou a sua composição ética de todos os rio-grandenses identificados com o território meridional ou por filiação histórica, por aculturação ou adesão afetiva (Vellinho, 2005, p. 182).
Essa última alusão é uma síntese dos fundamentos do texto do historiador. O gaúcho (Nedel, 2020), desde a sua formação histórica até os dias presentes da escrita de Vellinho, mantém um modo de ser, uma característica, um ethos em uma linha de continuidade, na sua formação, do passado com o presente em termos da defesa da nacionalidade; o que surgira como contingência histórica revive como ideia através da história. O gaúcho em sua finalidade histórica, de sentinela da fronteira, está vigilante pela liberdade nacional, logo, o isolamento físico ou psicológico jamais evitaram a integração, sob a configuração social e psicologia, do Rio Grande do Sul. As fatalidades do meio cósmico nunca impediram a integração com a nação, pois a condição de fronteira suplantaria qualquer diferença física ou psicológica em relação ao todo nacional.
Com o auxílio da hipótese investigou-se mais uma prática historiográfica e possibilitou entender o conceito de fronteira como, por um lado, um elemento da identidade histórica do Sul-rio-grandense e, por outro lado, como um mirante por qual Vellinho (2005) articulo o regional no nacional.
Prática (III): A Revolução de 1930 e Getúlio Vargas
Para Vellinho (2005) quase um século depois da Farroupilha outra vez em armas o Rio Grande do Sul, junto com Minas Gerais e Paraíba, dirige a rebelião nacional em combate à deturpação das instituições, se antes monárquicas, agora republicanas, porém, segue Vellinho:
Se os objetivos da rebelião seriam distorcidos, traídos como foram, isto não desfigura a inspiração original do movimento. O insucesso resultou do enorme equívoco de se haverem confiados os destinos da revolução a quem nunca soube o que fazer dela, atirando-se por isso, a um jogo oportunista e inferior. Não era possível curar os vícios da república Velha com os expedientes de uma ditadura que Getúlio Vargas impôs em nome de coisa nenhuma (pp. 19).
Portanto, sempre quando a união nacional esteve ameaçada, os rio-grandenses, guerreiros porque fronteiriços, brasileiros porque fronteiriços, levantam-se para defender a nação, pois sempre estariam acostumados a defendê-la na fronteira contra os castelhanos. Assim, conforme notou Rodrigues (2006) “O presente refletia o passado; 1930 refletia 1835” (p. 214). Contudo, para Vellinho (2005), a diferença entre a Farroupilha e a Revolução de 1930 é que a primeira manteve íntegra a pureza do movimento, isto é, a busca de uma maior liberdade para os brasileiros, ao passo que a segunda traiu seu objetivo, resultando em uma ditadura e, desse modo, a Revolução de 1930 foi a imagem distorcida da Farroupilha.
Percebe-se que a Farroupilha é o momento da formação histórica rio-grandense em que os predicados de ser fronteira mostraram-se ao máximo e que a Farroupilha, ao contrário da Revolução de 1930, não foi desvirtuada de seu plano original: salvar o todo nacional. Portanto, a Farroupilha é representada como uma forma de repensar a experiência política nacional depois das consequências da Revolução de 1930. E vai ficando mais evidente o conteúdo político desta crítica: a filosofia liberal da história. Quando o Brasil está ameaçado, os liberais do Rio Grande do Sul estão prontos à defesa de sua integridade, de suas leis e de sua liberdade, isto é, prontos à defesa contra governos autoritários e centralizadores.
Portanto, o entendimento da Farroupilha entre as revoluções liberais brasileiras e a legitimidade de sua extração nacional comprovam que a “nossa vocação para a unidade nunca se apagou na alma dos republicanos de 35” (Vellinho, 2005, p. 166) e pensar distinto disso é característica da “imaginação desocupada” (Vellinho, 2005, p. 167) e também “quando a irresponsabilidade dos demagogos conclama os gaúchos a saltarem de suas fronteiras e ganharem o Brasil para o Rio Grande” (Vellinho, 2005, p. 167).
Assim, Vellinho (2005) quer operar o controle conceitual sobre a formação rio-grandense, sobre a Farroupilha e sobre a Revolução de 1930. O que estiver fora da sua interpretação “científica” do passado (não se pode esquecer que escrevia no lugar legítimo de produção do conhecimento histórico: o ihgrgs) seria imaginação desocupada ou fantasia literária usada para fins políticos. Vellinho (2005) quer em um lance colocar todas as teses diferentes da sua no campo da fantasia, do ficcional ou do político, cabendo a si fazer ciência.24 Tanto em suas polêmicas como crítico literário quanto em seus debates historiográficos, sempre houve uma função política em seus escritos, mesmo que na época de crítico literário isso tenha sido mais intenso (Rodrigues, 2006).
Outro ponto dentro do seu arcabouço liberal é que este rele a experiência da Revolução de 1930 e do período do Varguismo no poder e, a saída teórica que consegue, para mostrar que a formação rio-grandense (liberal) não permite a presença de ditadores/caudilhos foi original, pois, para Vellinho (2005)
O que se pode admitir, a título de transigência, é que, se houve aqui vocações abusivas para a carreira, foram elas florescer e frutificar longe do Rio Grande, em ambiente menos prevenido contra os perigos do caudilhismo. Estamos pensando, é claro, em Pinheiro Machado e Getúlio Vargas, que tanto aperfeiçoaram, cada qual dentro de seu caráter próprio, mas já no cenário federal, seus pendores ditatoriais (pp. 167).
As inclinações ditatoriais, dos sul-rio-grandenses, se manifestariam em três momentos: a) Pinheiro Machado; b) Getúlio Vargas; c) a Constituição Positivista (1891). Sobre Vargas, quem interessa diretamente ao artigo, diz Vellinho (2005) “Quem ignora que só depois do idílio com a oposição, que teve com a consequência a Frente Única,25 é que ele, quebrando os compromissos democráticos daí decorrentes, foi testar suas veleidades de ‘caudilho manso’ longe do Rio Grande” (p. 168). Para o historiador só longe do Rio Grande do Sul, terra da liberdade liberal e da democracia nacional, floresceria o caudilhismo de algum gaúcho. Nesse momento, sua filosofia liberal da história torna-se evidente, pois, para Vellinho (2005), infelizmente, e isto é muito importante para o seu raciocínio, os “velhos republicanos fecharam suas portas às lições que ao mesmo tempo acenavam da vertente liberal que domina o processo político rio-grandense” (p. 170) e prossegue Vellinho em sua argumentação:
Nota-se ainda que essa política de áspero exclusivismo, de monopólio da coisa pública, teve, por ação de contraste, um efeito salutar: serviu de estímulo a uma oposição intrépida e tenaz, também polarizada em partido, e cujas raízes se nutriam justamente da seiva liberal de 35, que o partido situacionista cometera a imprudência de regular. Essa fidelidade à constante democrática das nossas tendências políticas deu a oposição rio-grandense uma força de vida que lhe permitiu transpor sem maior desgaste o longo recesso que a ditadura Vargas impôs as organizações partidárias. O pequeno Partido Libertador foi, com efeito, o único em todo o país que sobreviveu à devastação (pp. 171).
Quer dizer que, de alguma forma, sobreviveu à “seiva liberal de 35”, em outras palavras, a Farroupilha, ao longo da história e se conservou, mesmo que reprimida por Getúlio Vargas, no Partido Libertador. A ideia de liberdade que existe desde a formação do Rio Grande do Sul teve seu ápice na Farroupilha e, em momentos específicos da história sulina, sempre se manifesta em ocasiões em que a liberdade concreta está ameaçada, pois o sentido final imanente da história no escrito de Vellinho (2005) é a liberdade a partir da integração do Rio Grande do Sul no todo nacional e na defesa da fronteira meridional, entretanto, se a Revolução de 1930 não conseguiu concretizá-la, ela sobreviveu a esse período no Partido Libertador.
A investigação desta terceira prática, no texto de Vellinho (2005), avança ao ajudar a perceber o quanto, por um lado, a Revolução de 1930 e Vargas são norteadores do entendimento, isto é, condições de possibilidade da história e da histerografia histórico não só de Vellinho, mas, de toda uma geração de intelectuais sulinos e, por outro lado, da necessidade da articulação do regional ao nacional a partir de um conteúdo político liberal.
A escrita (I): O Sul-rio-grandense como o gaúcho brasileiro
A escrita de um texto possibilita, a partir das estratégias narrativas (poéticas, retóricas, gramaticais, semânticas) do(a) narrador(a), “dar a ver” ao leitor um mundo histórico no texto historiográfico, isto é, um passado é exposto aos olhos e a imaginação do leitor. Aqui, a tarefa analítica é perceber essas construções no texto do autor. Assim sendo, foi dividida em quatro etapas a escrita do texto/fonte. A primeira é sobre a identidade nacional do gaúcho brasileiro, a segunda é sobre a composição étnica da população da região do Prata e do Rio Grande do Sul à época da formação, a terceira é a diferença entre o gaúcho do Prata e do Rio Grande e, por fim, como a Farroupilha se enquadra na formação histórica narrada por Vellinho. Começarei pela identidade brasileira do gaúcho.
Vellinho (2005) constatou que, no pensamento histórico brasileiro, há incompreensões acerca do Rio Grande, e sustenta que não se surpreende de que patrícios que vêm “aqui” se espantem de observar que “nós” temos a mesma língua que eles, sem as saliências espanholas que receavam, pois, o Rio Grande do Sul é um pedaço do Brasil que cresceu de si mesmo (Vellinho, 2005, p. 17). Colocar em destaque o perfil do gaúcho rio-grandense dentro das condições naturais e culturais de sua formação não seria uma operação de importância meramente acadêmica, Vellinho (2005) quer responder a um problema repleto de implicações políticas e sociológicas. Assim, do equívoco da origem e caracterização histórica do brasileiro do extremo sul derivam erros que abrangem dimensões da tradição rio-grandense e o lugar do Rio Grande do Sul ante a identidade brasileira e para Vellinho (2005)
Dentre as causas que poderão ser arroladas para explicar tais desacertos não será das mais ostensivas, nem por isso das menos influentes, a ligeireza com que se admite e proclama a identidade do nosso gaúcho platino. E daí, por extensão, o conceito verdadeiramente peregrino de um Rio Grande meio português meio espanhol... Nem faltam, já o vimos, os que consideram o Rio Grande em face da História do Brasil como uma espécie de capítulo à parte, que se tivesse extraviado acidentalmente do tempestuoso contexto da formação platina. Também responde por grossos erros de interpretação o paralelo fácil […] entre situações que, se é verdade que se armaram em áreas geograficamente contíguas, não menos verdade é que pertencem a tradições antagônicas, cujas relações de vizinhança […] não foram outras senão os incidentes e guerras de fronteira (pp. 124, grifo meu).
Nos períodos das definições do limite austral, que principiaram com o estabelecimento do presídio de Rio Grande26 e que só se encerraram ao fim da Guerra do Paraguai, em 1870, os homens do Rio Grande e do Prata, assinalados por um antagonismo atávico, estariam “uns contra os outros numa violenta reativação de rivalidades imemoriais, herança subjacente de velhas disputas peninsulares” (Vellinho, 2005, p. 125). A despeito dessa realidade histórica, ainda existe quem coloque em suspeita as raízes luso-brasileiras do Rio-Grande do Sul, sugerindo “nosso meio-castelhanismo congênito”, contudo, Vellinho (2005, p. 125) observa que por mais que haja semelhança na mesma atividade econômica do pastoreio, na geografia e do tipo humano – o campeador – o drama da fronteira separa o Sul-rio-grandense do castelhano do Prata.
A partir de uma percepção nacionalista da história e tendo o conceito de fronteira como fundação de sua narrativa histórica, Vellinho (2005) opera, em sua escrita da história, a brasilidade do gaúcho sul-rio-grandense, o que reforça o uso da hipótese.
Escrita (II): Do índio ao caudilho, passando pelo mestiço
Para demonstrar que na formação histórica do Rio Grande do Sul não há indícios de raízes castelhanas, Vellinho (2005) investiga as diferenças entre o gaúcho platino e o rio-grandense e, assim, ele indaga como surgiu o gaúcho platino. Para o historiador, vagavam tribos “bárbaras e sem história” no Prata e, a partir do qual, existiu uma luta entre índios e espanhóis, ademais, contra o avanço dos castelhanos houve a objeção dos aborígenes e à sombra de violências e rancores emergiria o mestiço.
Do encontro do europeu com o índio derivou a matéria-prima de que se faria o gaúcho. Os vínculos de sangue que aproximavam os nativos e os gaúchos iam fundar entre os dois uma linha fixando uma sensação de vindita. Se o mestiço era reputado como “infame de direito e de sangue” pelo espanhol, logo, perdurou contra o mestiço a velha hostilidade ao índio. Ademais, à sua frente ficava o Pampa, e este não era, para o oprimido, somente uma evasão a seu aviltamento: era um protesto. Portanto, no Pampa, abundava espaço para aqueles que se percebiam subjugados e, também, conforme Vellinho (2005), os crioulos desprezariam sua filiação espanhola para se reconhecerem com os mestiços no mesmo sentimento de insurreição.
O arbítrio dos espanhóis, demarcando a oposição em que se enfrentam os hispânicos e indígenas, levou ao “fenômeno platino por excelência que foi a luta entre o campo e a cidade” (Vellinho, 2005, p. 131), também, o fomento ao contrabando foi a primeira causa a exacerbar as rivalidades entre o campo e a cidade, pois, em frente aos núcleos urbanos, o povo do campo é percebido como uma instituição bárbara “sempre a postos para o assalto à civilização” (Vellinho, 2005, p. 131), assim, o mestiço se fixa em seu ressentimento, conquanto habituado à pugna, o mestiço argentino, isto é, o gaúcho, “ignora ainda o que seja a pátria”, desse modo, seria o gaúcho em estado bruto, descendente dos gaudérios, ademais para Vellinho (2005), essa “gente perdida” está confiada à anarquia do caudilhismo. E, em todas as províncias argentinas, o que se tem é uma situação de insurreição contra a cidade, desse modo, o fenômeno do caudilhismo foi a “solução em que havia de desfechar o ódio que desde séculos rondava a cidade. O caudilho é produto do estado de anarquia e da dispersão do território” (Vellinho, 2005, p. 134).
A lógica explicativa de Vellinho (2005) sobre o estado de anarquia, a falta de leis, a falta de civilização e liberdade começa com a hostilidade dos índios aos espanhóis, depois tal hostilidade foi herdada pelo mestiço e, ademais, os crioulos desprezando sua filiação europeia, juntaram-se aos mestiços na insurreição contra o espanhol. E tal insurreição teve como lugar o campo, o Pampa, o contraponto da civilização urbana, portanto, a barbárie contra a civilização, assim, a anarquia teria dois elementos: o mestiço e o Pampa. Os mestiços eram liderados por um caudilho, este produto desta situação de rebeldia congênita, que não tem nem pátria e nem lei além de si, dessa forma, o estado de anarquia no Pampa platino é completo. E tudo isso se inicia porque o gaúcho platino tem o sangue indígena rebelde em suas veias e o Pampa para exprimir sua indignação contra a submissão.
As diferenças entre os gaúchos do Prata e o do Rio Grande do Sul vão desde a formação étnica e política até a natureza moral e auxiliaram para a preparação de processos de formações históricos distintos e, o mais importante, “Entre nós, faltou ao campo, como expressão política, seu instrumento específico de ação – o caudilho” (Vellinho, 2005, p. 147). Se, para Vellinho (2005), o estado de anarquia começa com a rebeldia indígena e mestiça, contudo atingia sua forma de luta política definitiva com a presença do caudilho. E este, por representar uma política movida por interesses apenas privados, não se coaduna com o respeito às leis.
Contudo, Vellinho (2005) ainda está em busca da explicação sobre a existência de caudilhos no Rio Grande do Sul. Se, no Rio Grande segundo Vellinho (2005), não houve oligarquias militares ou civis, onde então estaria o suposto caudilhismo rio-grandense? Se não há caudilhos de geração espontânea, seu surgimento implica uma composição social peculiar e as condições que produziram os caudilhos do Prata não poderiam esclarecer o aparecimento de caudilhos na formação rio-grandense, pois “A História não conhece germinações gratuitas. E é por isso que, à míngua, de atmosfera propícia, certos líderes que nascem sôfregos de autoritarismo, ou provocam o protesto revolucionário, ou vão tentar fortuna fora do Rio Grande. O pior é que às vezes são bem-sucedidos […]” (Vellinho, 2005, p. 173).
No Rio Grande, por sua formação histórica, não teria como haver caudilhos. O que poderia haver é que alguém propenso ao autoritarismo no Rio Grande o exerceria fora desse Estado, o que, para o Vellinho (2005), era o caso de Vargas. Desse modo, seu pensamento político teria uma base regional, isto é, só seriam válidos dentro dos limites do Rio Grande e pelo fundamento que permeia a identidade do gaúcho: a fronteira. Longe da fronteira, a ideia ou o espírito da liberdade liberal e da democracia não estariam assegurados. Portanto, no argumento de Vellinho (2005) haveria duas entidades separadas: o Rio Grande do Sul e o Brasil. Pois, o que acontece num, necessariamente não acontece no outro e, no caso do caudilhismo, aconteceu o oposto. Assim, a nacionalização da história regional exigiu buscar a diferença basilar entre a formação histórica do Prata e a do Rio Grande do Sul e, examinado a escrita de Vellinho (2005), observa-se que a diferença é o substrato indígena.
A escrita (III): O(s) gaúcho(s): entre o Prata e o Brasil
Dessa diferenciação anterior, Vellinho (2005, p. 134) entende que a formação do gaúcho rio-grandense aconteceu de forma diferente em relação ao do Prata, pois, o lado português tinha condições diversas, “O elemento autóctone, aqui, ao tempo do desembarque de Silva Pais, já pouco representava numericamente”.27 Colocando de lado as Missões Jesuíticas,28 para Vellinho (2005), os nativos acabariam quase desaparecendo e o “rebanho de guaranis” era apenas o “escarmento de uma raça desbaratada”, de tal modo que o que sobrou foram “bagaços de gente” e o certo é que o guarani “jamais poderia ser contado como fator positivo de civilização” (Vellinho, 2005, p. 137), assim, “na altura de 1835, ao deflagrar a Revolução Farroupilha, vagavam entre os escombros do vasto império missioneiro apenas 318 bugres. Nada mais restara dos Sete Povos!” (Vellinho, 2005, p. 137). Assim sendo, com o Rio Grande a crescer como pedaço português, os nativos quase haviam desaparecido, isto é, no gaúcho platino há o componente indígena o que não se verificaria no gaúcho brasileiro (Vellinho, 2005, p. 137-38).
A partir disso a diferença entre o gaúcho platino e o rio-grandense estaria na mestiçagem com o índio, pois, no Rio Grande do Sul, tudo teria se passado diferentemente, pois esse “bagaço de gente” havia desaparecido por aqui já na época da Farroupilha, de modo que o índio pouco miscigenou com o português, o que fez do gaúcho rio-grandense (Nedel, 2020) um tipo sem revoltas contra a ordem ou a lei, desse modo, o oposto do gaúcho platino. Assim, não haveria espaço para o surgimento de caudilhos neste lado da fronteira, já no Prata, os nativos reunidos em turbas vingativas fizeram oposição à marcha dos conquistadores, ao contrário, entre os portugueses, o aborígine jamais veio a ser um obstáculo aos “desbravadores” o que levaria “os homens de 35 rejeitaram, para seu lenço de guerra, um modelo onde apareciam, dois bugres sacudindo a bandeira tricolor” (Vellinho, 2005, p. 138).
Portanto, no Rio Grande do Sul, não se manifestou a mesma formação histórica que a dos castelhanos no Prata. Ao oposto disso, o gaúcho rio-grandense, oriundo, segundo Vellinho (2005), de um povo menos arrogante – o português –, foi-lhe mais fácil a convivência com o nativo, assim, a “candura” portuguesa29 estabeleceu tradição e isso “explica o empenho com que os Farrapos resguardaram, através das estipulações de Poncho Verde, a liberdade dos escravos que se haviam batido lado a lado com eles” (Vellinho, 2005, p. 140).
Entre Espanha e Portugal ou entre o Prata e o Império brasileiro havia uma fronteira política, disputada com tropas, contudo, havia um outra que era própria ao Prata, que era a fronteira de raça e casta ocasionada pela arrogância dos espanhóis e a aversão com que lhes contrapunham “los paria de la llanura”. Essa “fronteira interna” do Prata gerou outro fenômeno ignorado do “processo histórico rio-grandense: a oposição entre o campo e a cidade, entre a barbárie e a civilização” (Vellinho, 2005, pp. 141-42), logo, a formação sul-rio-grandense desconhece o antagonismo entre campo e cidade, e isso demostra no evento máximo do Rio Grande do Sul – a Farroupilha – a qual não se distinguiam homens do campo e da cidade (Vellinho, 2005, p. 143).
Avançando na análise da escrita de Vellinho (2005), observa-se que por mais que exista o “gaúcho”, na verdade há dois gaúchos: o brasileiro e o platino. Na nacionalização do regional o gaúcho brasileiro não miscigenou com o indígena, o que permitiu a Vellinho (2005) dar a “ver” em sua escrita um gaúcho brasileiro em ligação direta com o lusitanismo.
Escrita (IV): A Farroupilha na/da formação
Vellinho (2005), partindo do pressuposto nacionalista e lusitano da formação histórica do Rio Grande do Sul, recolhe os elementos para construir a Farroupilha como essencialmente brasileira. Também, a Farroupilha diferiria das Revoluções Platinas, pois não haveria no Rio Grande do Sul muita mestiçagem, isto é, pouca incidência de índios e, como corolário, o Pampa (rio-grandense) não foi habitado por um povo revoltado contra os colonizadores europeus, o que não provocou a dicotomia campo versus cidade, isto é, barbárie versus civilização e, o raciocínio de Vellinho (2005) deságua em que:
No caso da Guerra dos Farrapos, os homens do campo como os da cidade haviam de congraçar-se em torno da mesma causa, sem distinção de domicílio […] pontos de contato haverá […] entre os ideais dos Farrapos […] e os princípios que os autores da independência argentina tentaram fazer vingar nas instituições nacionais antes da funesta ronda dos caudilhos. As fontes ideológicas, porém, é que foram comuns […] não eram as mesmas as premissas sociológicas que aturam num e noutro caso: os revolucionários rio-grandenses […] acabaram se convencendo de que as instituições monárquicas é que eram responsáveis pelos males que se abatiam sobre a província, e se lançaram bravamente contra o regime […] Na revolução argentina tudo se passou de outra forma (pp.144-145).
Para Vellinho (2005), na Farroupilha havia princípios e leis que os líderes seguiam e respeitavam, ao contrário das revoluções platinas em que os caudilhos –que não havia no Rio Grande do Sul– agiam sem lei, apenas respeitando a sua própria vontade. Portanto, a presença de “turbas campeiras” e caudilhos, elementos alheios aos rio-grandenses, ocorreram na conformação das batalhas por emancipação que aconteceram no Prata. Nada das sublevações platinas pode contagiar “os ímpetos de afirmação revolucionária que conduziram os Farrapos” (Vellinho 2005, p. 145). Por isso, o Estado sulino jamais se sentiu um membro fora da compleição nacional, nem mesmo no decorrer da República do Piratini, pois
Uma coisa, com efeito, nunca foi possível erradicar do coração dos Farrapos: o sentimento de sua condição de brasileiros, condição tão marcada pela presença de uma fronteira […] entre os rebeldes eram mais agudas que entre os responsáveis pela defesa das armas imperiais as suscetibilidades patrióticas em face dos vizinhos […] os Farrapos preferiram depor as armas a aceitar, mesmo na desgraça, a ajuda que lhes oferecia o tirano argentino (Vellinho, 2005, p. 146). Grifos meus.
A brasilidade dos rio-grandenses em sua formação histórica e na Farroupilha é a sua condição de fronteira. A defesa da fronteira portuguesa, depois brasileira, ao longo da formação do Rio Grande do Sul fez a brasilidade dos gaúchos. E isso é a injustiça que Vellinho (2005) quer reparar: não bastava abrasileirar só a Farroupilha (Rodrigues, 2013; Soares, 2016), haveria de se abrasileirar o próprio Rio Grande do Sul.
Também, na repressão ao caudilhismo, desde Artigas a Rosas “os Farrapos depuseram as armas, considerando que era preferível capitular a ver o Rio Grande exposta às ‘iniquidades’ do caudilhismo” (Vellinho, 2005, p. 160), desse modo, a Farroupilha mostraria o Rio Grande a oferecer a prova da impossibilidade do caudilhismo “entre nós”. A disposição entre os líderes farroupilhas era para as formas orgânicas das instituições, assim, a República de Piratini era mais que uma causa regional, “Firmados nesses propósitos de respeito à ordem civil prova o ânimo legalista dos rebeldes. Em 35 o espírito de fidelidade às instituições civis mostra o repúdio ao mandonismo […] inerentes à configuração do caudilhismo” (Vellinho, 2005, p. 162). Nem mesmo a derrota final fez ceder ao caudilhismo e, assim, os farrapos não se deixaram contaminar,
Os motivos e ideias que levaram os rebeldes rio-grandenses à madrugada republicana de Piratini não se compadeciam com as formas de tirania incubadas por condições históricas e sociais de todo avessas à nossa formação […] o movimento de 35, sem qualquer afinidade com a pesada maré de anarquia que assolou o Prata, mas antes substancial e ostensivamente ligado ao surto de agitações liberais que ao tempo sacudiram o país de norte a sul, deixou bem clara, desde logo, sua incompatibilidade com as soluções discricionárias. Em face dos agravos que Província vinha suportando nos seus brios e nos seus interesses, os rio-grandenses sublevaram-se (Vellinho, 2005, p. 163).
Assim sendo, o comando militar farroupilha assumiu o modo de uma função delegada, pois, pela causa respondiam um punhado de “patriotas vigilantes”, a crítica não poupava nem mesmo os chefes de maior hierarquia, pois “Entre os rebeldes imperava, sem dúvida, um ativo sentimento de zelo democrático” (Vellinho, 2005, p. 164). Também, entre os farroupilhas, haveria o avesso dos caudilhos do Prata e o avesso da Era Vargas, pois, o poder pelo poder nunca subiu à cabeça dos farroupilhas e o que eles queriam era os direitos locais. Os farroupilhas empenharam-se por um sistema político de autonomia regional e o queriam, também, para as demais províncias, contando que a unidade nacional fosse mantida. Conforme Vellinho (2005), a Farroupilha entra na história do Brasil como um de seus capítulos mais nobres e “A límpida bravura dos brasileiros do extremo sul […] pertence, decerto, ao patrimônio comum da nacionalidade” (Vellinho, 2005, p. 165). Ora, a Farroupilha rompia as medidas regionais e se “os revolucionários foram até à separação e à república, porém tudo isso ainda era obra de brasileiros” (Vellinho, 2005, p. 165) e a filiação da Farroupilha estava na condição de brasilidade que nascia na defesa da fronteira desde o tempo do Império português na América.
Continuando em sua argumentação, Vellinho (2005) avalia que se constituiu no Rio Grande do Sul o respeito à ordem legal e mesmo com a proclamação da República Rio-Grandense, em 1836, a autoridade iria bipartir-se, porém não desvaneceria como expressão legal, pois, para Vellinho (2005)
Os homens de 35 romperam com o Império, mas se conservaram fiéis aos hábitos de disciplina jurídica e social que entre nós tinham o poder catalisador de uma velha tradição […] Por isso mesmo os chefes farroupilhas procuraram sempre resguardar as instituições legais. Tudo eles perderiam, ao longo de dez anos de luta –os bens, a vida, a própria causa– mas nunca perderam o zelo pela organização civil da ordem revolucionária (pp. 175).
Assim, segundo Vellinho (2005) a rebelião de 1835 não se presta a comparação com as Revoluções Cisplatinas, porque iria brotar “fora das nossas fronteiras, a planta monstruosa do caudilhismo” e isso levou os rio-grandenses a apresentarem uma consciência de seu arranjo político dentro do “complexo luso-brasileiro”. Eles sabiam que a antiga Capitania d’El-Rei era parte integrante de um vasto país cioso de seus domínios. Enfim, a nacionalização do regional tem na escrita da história da Farroupilha de Vellinho o ápice do nacionalismo e do lusitanismo sul-rio-grandense.
Conclusão
O empreendimento intelectual de Vellinho (2005) se constituiu a acerca da interpretação da formação do Rio Grande do Sul, assim, ele propunha uma narrativa em que a formação histórica sulina nascera da colonização portuguesa de desbravamento e conquista da América formando uma fronteira indelével com o Prata. Em Vellinho (2005), a formação histórica do Rio Grande, além de suprimir o indígena, opera outra oposição: o platino e o brasileiro, ou, mais especificamente, o gaúcho platino e o gaúcho rio-grandense. O gaúcho brasileiro não poderia, na escrita de Vellinho (2005), estar associado a supostas característica bárbaras dos indígenas (como ocorreria no gaúcho platino), sendo, por conseguinte, a formação do Rio Grande do Sul um produto da civilização europeia, já que para Vellinho as instituições, a democracia e a liberdade só seriam possíveis sem o barbarismo do indígena, do mestiço e do caudilho. Vellinho (2005) inicia a formação com os portugueses e, também, desvincula as origens Farroupilha do Prata. Além disso, a Farroupilha de Vellinho (2005) entrou na história da formação rio-grandense com um viés de crítica ao seu contexto político e, assim, há uma crítica política de cunho liberal na interpretação da Farroupilha que se vincula a uma crítica no presente a Revolução de 1930 e o Varguismo.
Por fim, Vellinho (2005) concebe a história (regional) como um processo com um fim a ser realizado: a integração do Rio Grade do Sul no corpo nacional brasileiro e a Farroupilha sendo a demonstração máxima do zelo sul-rio-grandense pelo Brasil.
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1 José Antônio Flores da Cunha (1880-1959) foi um político, militar sul-rio-grandense. Foi interventor e governador do Rio Grande do Sul. Em 1930 esteve ao lado da Revolução, em 1932 ficou ao lado de Getúlio Vargas, mas, a partir de 1935 começou a se afastar de Vargas, sendo exilado no Uruguai em 1937.
2 A Federação (1884-1937) foi um jornal ligado ao Partido Republicano Rio-grandense (prr). Com a ascensão do partido ao governo do estado, tornou-se o porta-voz oficial da opinião do governo.
3 A Livraria do Globo foi criada em Porto Alegre em dezembro de 1883. Inicialmente uma papelaria e livraria, desenvolveu no início do século xx atividades editoriais de revistas e livros. Com o passar dos anos, a loja da rua da Praia tornou-se ponto de encontro de intelectuais, poetas, políticos e profissionais liberais. A Livraria o Globo foi uma catalisadora e propulsora dos intelectuais sul-rio-grandenses da época.
4 O Estado Novo foi um período autoritário da política brasileira instaurada por Getúlio Vargas em 1937, que vigorou até 1945. Foi caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo e por seu autoritarismo.
5 Sobre os dados biográficos de Vellinho, ver Golim (1999).
6 Dessa crítica e avaliação do período do varguismo, também participa Érico Verissimo só que a faz de maneira mais branda.
7 O livro Capitania d-El-Rei é um compilado de artigos escritos nos anos de 1950, por isso em algumas partes do artigo fiz uso da introdução do livro que fornece o sentido geral dos capítulos do livro.
8 Sobre o ihgpsp ver: Boeira (2009).
9 Sobre o ihgb ver: Guimarães (1995 e 2011).
10 Tristão de Alencar Araripe (1821-1908) foi político, jurista e historiador brasileiro. Foi presidente da Provincia do Rio Grande do Sul de 1876 a 1877. Foi neste período que coletou as fontes sobre sua obra sobre a Farroupilha. Ver a obra de Araripe (1986) sobre a Farroupilha e, também, comentaristas da obra de Araripe sobre a Farroupilha ver: Antoniolli (2019) e Hruby (2012).
11 Sobre a crítica e os limites dessa obra de Gutfreind, ver: Nedel y Rodrigues (2005).
12 Apolinário Porto Alegre (1844-1904) foi um romancista, historiador e jornalista sul-rio-grandense.
13 Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) foi um político e historiador sul-rio-grandense. Inicialmente foi ligado ao PRR e Júlio de Castilho, mas ainda na década de 1890 foi para a posição ligada aos federalistas.
14 Alfredo Augusto Varella de Vilares (1864-1943) foi um político, diplomata e provavelmente o mais importante historiador sul-rio-grandense da República Velha. Inicialmente ligado ao prr, na primeira década do século xx vai para a oposição. Sua obra sobre a Farroupilha destaca o separatismo dos farroupilhas e sua ligação política e geofísica com o Prata.
15 Alcides de Castilho Maya (1878-1944) foi um jornalista, romancista e político sul-rio-grandense. Ao contrário dos personagens anteriores começou sua carreira política no Partido Federalista de oposição ao prr, mas, na década de 1910 passou a integrar o prr. Ao tratar da polêmica mantida entre Rubens de Barcelos e Paulo Arinos (Moysés Vellinho) em torno da obra de Alcides Maya, Chiappini (1978) aponta que a nova geração de literatos, a qual pertencia Arinos, negava-se a aceitar a visão do gaúcho em ruínas, popularizada na obra de Maya.
16 Contudo, havia uma escrita da história alternativa no ihgrgs (Gutfreind, 1992; Martins, 2015; Nedel, 2007b; Oliveira, 2004/2005; Silva, 2010, 2019; Thesing, 2015, 2019;) seus principais nomes foram: Alfredo Varella e Manoelito de Ornellas.
17 “Capitania d’El-Rei se compôs pela reunião de ensaios concebidos por Moysés Vellinho durante os anos 1940 e 1950: ‘tardia’ era mais a sua publicação do que a elaboração” (Rodrigues, 2006, p. 157).
18 A produção na historiografia sobre a Farroupilha nesse período fora bem menor que no período anterior (centenário) (Soares, 2016). Walter Spalding (1944, 1968, 1987) continuou a publicar sobre a Farroupilha nas mesmas características que no período anterior do mesmo modo que Olyntho Sanmartin (1940, 1951) e Paulino Jacques (1969). Lindolfo Collor (1989) escreve no exílio e pública em 1938 o livro Garibaldi e a guerra dos farrapos. Para a época, é um dos melhores livros sobre a Farroupilha. Collor, mesmo não escrevendo o livro como uma história de formação como Vellinho, será, contudo, antes desse, o primeiro a usar a Farroupilha não mais para justificar Vargas no poder, mas para problematizar a Era Vargas. Jean Roche publica em 1961 L’administration de la Province du Rio Grande do Sul de 1829 a 1847. Não tratando mais os farroupilhas como o período do centenário (Rodrigues, 2013; Soares, 2016). Para Roche, enfim, a Farroupilha fora um movimento nacional e federalista.
19 Entre a década de 1930 e 1950 o contexto intelectual brasileiro foi marcado por livros que buscavam entender as raízes/formação histórica do Brasil: os mais significativos do período foram Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda, Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior e Formação da Literatura brasileira de Antônio Cândido de 1964.
20 Promulgada em 14 de julho de 1891, tal constituição estadual –diferentes de todas as outras– tinha como característica única de o poder executivo não estar em equilíbrio com os outros dois (legislativo e judiciário), mas estar acima deles. Outra característica era a influência do positivismo de Augusto Comte.
21 Aponta que, para José Verissimo, o Rio Grande do Sul não passava de um corpo estranho na federação brasileira. Para Balduíno Rambo, gente de casa como disse Vellinho, que o Rio grande se formara na influência de Montevidéu. Assis Chateaubriand afirmava que o Brasil português terminava em Santa Catarina e que dali para o sul começava o Brasil espanhol. Para Humberto Campos, o Rio Grande do Sul sofreu uma influência artificial do Brasil e que se tornou brasileiro por descuido, também em um jornal na década de 1930 propôs o desmembramento do Rio Grande apontando a porta da rua. Aponta também que o deputado Ferreira França, durante a Farroupilha, já havia proposto a desanexação do Rio Grande. Joaquim Manuel de Macedo também justifica no parlamento a desagregação compulsória do Rio Grande. Mostra também que o historiador Basílio de Magalhães afirmava que no Rio Grande era em grande parte gente platinizada. Mas a maior mágoa de Velhinho era com Capistrano de Abreu, que lamentava que na consolidação das fronteiras nacionais o Rio Grande do Sul não tivesse ficado do lado de fora. E que o Rio Grade do Sul seria um cavalo de troia. Quanto à João Ribeiro, este discordava da tese de que a unidade brasileira era uma dádiva do rio São Francisco e que no extremo sul éramos platinos demais. Também aponta Oliveira Vianna, que diria que o Rio Grande do Sul era dominado pela cultura espanhola e pelo cenário platino.
22 Sobre a importância do regionalismo e da perspectiva de Gilberto Freyre sobre o regionalismo e sua influência sobre a intelectualidade sul-rio-grandense ver Nedel (2007a)
23 Em 1973, Moysés Vellinho lança o livro Fronteira, um estudo dedicado só a este tema.
24 Contudo, havia uma escrita da história alternativa no ihgrgs seus principais nomes foram: Alfredo Varella e Manoelito de Ornellas.
25 A Frente Única Gaúcha foi uma união de partidos políticos do estado do Rio Grande do Sul. Foi formada em 1928, pouco após Getúlio Vargas ter tomado posse como governador do estado. Reunia o Partido Republicano Riograndense, liderado por Borges de Medeiros, e o Partido Libertador, liderado por Assis Brasil. Em 1929 integrou a campanha da Aliança Liberal à Presidência da República, apoiando Getúlio Vargas.
26 Para o entendimento nacionalista e lusitano da formação histórica do Rio Grande do Sul do IHGRGS é com o presidio de Rio Grande em 19 de fevereiro de 1737 que se funda oficialmente o Rio Grande do Sul.
27 José da Silva Paes (1679-1760) foi um militar, engenheiro e administrador colonial português. Participou da administração que estruturou a concepção do Brasil Meridional lusitano. Mandou construir fortificações e participou da construção de diretrizes geopolíticas para garantir a presença portuguesa no Prata, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Fundou a cidade do Rio Grande (1737), também, projetou e construiu o Forte Jesus, Maria, José.
28 Missões Jesuíticas ou Sete Povos das Missões é o nome que se deu ao conjunto de sete aldeamentos indígenas fundados pelos Jesuítas espanhóis na Região do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio. Os Sete Povos também são conhecidos como Missões Orientais, por estarem localizados a leste do Rio Uruguai.
29 Aqui fica nítida a influência de Gilberto Freyre.